As Três Mais da Aviação Comercial Brasileira
Capítulo 3 – Parte 1: Vasp
Criação
A década de 30 foi importante para a história brasileira, pois começou e terminou a Revolução de 1932, que desejava retirar Getúlio Vargas do poder. Mas essa revolução fracassou, pois o governo getulista veio com toda a sua força, e massacrou os revoltosos, que estavam em menor número e com um menor poder de fogo.
Após o fim dessa guerra civil, um grupo de empresários da elite paulistana e pilotos uniram suas forças para criar uma das mais antigas companhias aéreas brasileiras: a VASP, sigla referente à Viação Aérea São Paulo. A companhia foi fundada no dia 12 de novembro de 1933, contando com dois bimotores Monospar ST-4 ingleses, cada um com capacidade para três passageiros e um piloto. Foram matriculados e batizados como PP-SPA “Bartholomeu de Gusmão” e PP-SPB “Edú Chaves”.
No dia 16 de abril de 1934, decolaram os primeiros vôos do Campo de Marte, a época o único aeroporto da Capital. Os vôos uniam as cidades de São Paulo, Ribeirão Preto, Rio Preto, São Carlos e Uberaba.
Talvez como um presságio do futuro brasileiro, a companhia enfrentava sérias dificuldades em suas operações, basicamente causadas pela péssima infra-estrutura dos aeroportos em que operava. Tanto que as operações foram convidadas a serem suspensas devido às freqüentes chuvas, que alagavam (e alagam, diga-se de passagem) o Campo de Marte. Tais inundações estimularam a companhia a fazer suas malas e mudar sua sede, para o recém inaugurado Aeroporto de Congonhas, conhecido futuramente como o Campo da VASP.
Enquanto isso, a Vasp recebeu sua terceira aeronave, um biplano de Havilland DH-84 Dragon, de seis lugares, matriculado PP-SPC. Mesmo assim, a companhia enfrentava suas primeiras dificuldades de pequena empresa.
Em janeiro de 1935, a frágil saúde financeira da companhia fez a diretoria pedir ajuda financeira do Governo de São Paulo. A companhia foi estatizada e recebeu um novo aporte de capital, que possibilitou a compra de dois Junkers JU-52/3M.
Como toda boa estatal brasileira, a companhia foi salva. Mas essa ressurreição deixou um traço extremamente negativo de brinde. O governo incorporou em seu DNA as típicas mazelas brasileiras de estatais, como nomeações políticas, presidentes de honra, apadrinhamentos, etc., sendo que a presidência era entregue a pessoas sem nenhum conhecimento ou experiência em aviação, tipo um ex-radialista…
Os Junkers finalmente foram encomendados no final de 1933, negociação possível apenas pelo motivo de ser recentemente estatizada. Foram matriculados como PP-SPD (Cidade de São Paulo) e PP-SPE (Cidade do Rio de Janeiro), chegando a São Paulo em julho de 1936. Junto com eles, vieram peças, mecânicos alemães e pilotos, que serviram como instrutores para a companhia.
Imediatamente, as aeronaves inauguraram a principal rota aérea brasileira: a Ponte Aérea. Mas os dois aviões se acidentaram nos vôos inaugurais, sendo que um se acidentou no Calabouço (atual Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro) e o outro se acidentou no Aeroporto de Congonhas. Por causa dos reparos, só voltaram a voar no dia 30 de novembro daquele ano de 1936. Um péssimo começo para uma das mais importantes rotas aéreas mundiais.
Logo, as operações passaram a ser um sucesso, o que motivou a chegada de mais um Junkers JU-52/3M, o PP-SPF (Cidade de Santos), em novembro de 1937. Tragicamente, essa aeronave participou da primeira grande tragédia da Aviação Comercial. A aeronave se chocou com um de Havilland DH-90 Dragonfly argentino, exatamente no dia 8 de novembro de 1939, no Aeroporto Santos Dumont, após a decolagem.
Para “compensar” essa tragédia, nesse ano a VASP comprou a Aerolloyd Iguassú, companhia operante no sul brasileiro. Como conseqüência, sua frota aumentou consideravelmente, assim como sua rede de rotas.
Chegou a Segunda Guerra mundial, e a operação dos aviões de origem nazista tornou-se ainda mais difícil, devido à escassez de peças. Mesmo contando com cinco trimotores Junkers, e fabricando algumas peças, a VASP começou a passar por sérias dificuldades. Logo após a guerra, a VASP tirou a barriga da miséria, e começou a receber suas primeiras aeronaves de procedência norte-americana, aposentando os Junkers. Foram recebidos os primeiros de 28 aviões Douglas DC-3/C-47, excedentes de guerra.
Na década de 50, a situação da companhia começou a melhorar, e foram recebidos os primeiros de 18 exemplares dos bimotores suecos SAAB Scandia S90A. Todas as aeronaves foram utilizadas pela VASP, que chegou a operar até os dois protótipos, o que faz da companhia a maior operadora do tipo no mundo.
Em meados da época, essas aeronaves proporcionaram um enorme prestígio para a companhia paulistana, que gozava de 15 viagens de ida e volta entre São Paulo e o Rio de Janeiro, e cada vez mais aviões chegavam para receber cada vez mais cidades. Tanto que os primeiros quadrimotores da companhia azul não demoraram a chegar.
Seis Vickers Viscount 827, de fabricação inglesa e com capacidade para 56 passageiros foram encomendados no dia 10 de maio de 1957, direto do fabricante. Posteriormente, a American Airlines vendeu outros 10 Viscount, mas do modelo 701, já usados pela companhia.
A década de 60 foi um crescimento um pouquinho bagunçado, pois enquanto as concorrentes já voavam jatos, a VASP apostava em turboélices e aviões a pistão. O primeiro Viscount (PP-SRC) começou a voar no dia 3 de novembro de 1958, inaugurando a era dos motores à reação na Aviação Comercial Brasileira. Tanto foi o sucesso do modelo que o último Viscount (PP-SRH) foi aposentado somente em 1975.
Os Viscounts também provaram que viagens de curta e média distância poderiam ser feitas com um razoável conforto pelos turboélices ingleses. Mais um sucesso para a companhia foi conquistado então.
No dia 4 de abril de 1962, a Vasp comprou o Lóide Aéreo. O consórcio era formado pela empresa líder, o Lóide Aéreo Nacional, a NAB – Navegação Aérea Brasileira S.A, pela Taba – Transportes Aéreos Bandeirante S.A. e pela Lemcke Indústria e Comércio, especializada na revisão de motores. A companhia passou a servir 72 cidades em 21 estados e dois territórios. Junto com as empresas, vieram oito Curtiss C-46 Commando, oito Douglas DC-4 e quatro DC-6A.
Como tudo tem seu lado bom e seu lado ruim, a VASP se defrontou com uma empresa completamente diferente, e que precisava ser absorvida. Até o branco usado nas aeronaves era diferente do que se existia na companhia paulista. Além disso, a frota, salários, métodos administrativos, tudo era diferente.
Justamente quando as concorrentes mais uma vez se modernizavam, a companhia perdeu um tempo absolutamente precioso para se organizar. Os Viscount e Scandia perdiam feio na luta contra os Convair CV-990 Coronado, Douglas DC-8, Caravelle e Boeing 707, utilizados pelas concorrentes, isso no ano de 1963.
A VASP até tentou entrar nessa onda de renovação da frota, mas não existia nem caixa durante os anos de 1966 e 1967, necessários para bancar as encomendas. E enquanto isso, vários anúncios de aquisições nada finalizadas a partir de 1963 até 1967. Desde os Dart Herald e Fokker F.27 até os Caravelle e Douglas DC-9. Os Caravelle chegaram a ser encomendados, com o primeiro exemplar pintado nos tons de azul da companhia. Mas esses quatro jatos encomendados vieram para o Brasil, mas nas mãos da Panair do Brasil.
Finalmente, em 1967 a companhia encomendou seis turboélices japoneses Nihon YS-11, apelidados de “Samurai” pela companhia paulista, mas ainda não existia nenhum jato em sua frota. Mas um milagre veio, e a companhia encomendou dois BAC 1-11-400, sendo que o primeiro de dois (PP-SRT/PP-SRU) entrou em operação no dia 8 de janeiro de 1968. Ainda na década de 60, um fato importante foi conquistado: Todos os antigos aviões a pistão saíram das linhas da empresa. Simplesmente saíram, sem honras, sem festas de despedida ou outro luxo. Simplesmente partiram, levando consigo um período de ouro da Aviação Brasileira.
Logo em seguida, a companhia anunciou a compra do modelo mais importante de sua história. Em julho de 1969, chegam quatro aeronaves Boeing 737-2A1. Matriculados PP-SMA, PP-SMB, PP-SMC e PP-SMD, três desses jatos bateram um recorde mundial, superado logo depois: Os três primeiros exemplares foram os três jatos de mais longa operação ininterrupta para uma mesma companhia aérea, voando quase 36 anos pela VASP. Até o encerramento de suas atividades, operou a companhia com mais de 30 exemplares do modelo.
As próximas décadas estarão na segunda parte desse capítulo. Novos aviões, novas rotas e novos problemas. Boa semana e bons vôos a todos.
Frase da Semana
“Um piloto é uma alma confusa, que fala sobre mulheres quando está voando
e sobre voo quando está com mulheres.”
(A coluna continua na próxima semana)
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