Aviação de garimpo: mantendo-se no inferno verde

Toda aeronave, homologada ou não, precisa passar por manutenção periódica, às vezes em intervalos de 50 ou 100 horas, eventualmente tendo todo seu motor aberto e ‘’revitalizado’’ com novas peças, de forma a garantir sempre seu funcionamento ordenado, e claro, a segurança. Afinal, no ar não se pode parar no posto mais próximo para aferir o nível de óleo, ou resolver algum problema repentino. Essas manutenções e revisões são sempre feitas em oficinas homologadas ou, em caso de aeronaves experimentais, em oficinas qualificadas para isso. Mas e quando os aviões estão no meio da floresta? Como é feita essa manutenção?

Enquanto centenas se arriscavam operando os aviões até mesmo à exaustão, outros se preocupavam em como fazer para consertar o próximo avião danificado que chegaria naquela pista. Até mesmo na precariedade as coisas tinham que funcionar, ainda que de forma improvisada. O desafio da manutenção dessas aeronaves nessas regiões eram as peças e o custo disso, pois da mesma forma que qualquer outra coisa chegava lá, as peças também iam por avião.

Em algumas situações, motores inteiros eram transportados dentro de outras aeronaves. Por curiosidade, o peso de um motor continental de 6 cilindros, muito utilizado ali, fica em torno de 120kg, e o volume que aquilo ocupa na cabine forçava o piloto a se sentar, muitas vezes, no limite de espaço do banco. Justamente em função disso, chegava-se a voar 300 horas sem manutenção, o que atualmente seria absurdo e inimaginável. É como fazer roleta russa, como dizem alguns pilotos quando relatam esses voos fora do TBO.

Entenda: se uma aeronave normalmente já sente muito operando em pistas de grama ou mesmo asfalto hoje, imaginem operar em pistas de terras, esburacadas, e às vezes com lama – isso ao pé de morros e serras onde o garimpo se instalava. Não é por acaso que dezenas de pistas de garimpo têm, até hoje, carcaças abandonadas de aeronaves, com somente retirado o que era possível ser reaproveitado, e o resto ali deixado.

Uma coisa interessante era que, além de os pilotos terem que se preocupar com suas aeronaves e peças para elas, eles tinham também que manter as dragas em perfeito funcionamento. Se faltasse dinheiro e a escolha ficasse entre uma peça de draga ou uma peça da aeronave, sem dúvida a escolha seria a peça daquilo que fazia tudo ter lucro. Se a draga parasse, tudo pararia, inclusive a circulação do ouro.

Alguns pilotos lembram que, por vezes, chegavam a levar a aeronave para o garimpo e, se encontrassem algum problema no maquinário por lá, até as peças da própria aeronave poderiam ser usadas como reposição nas dragas. Mas e a aeronave? Como voltava depois? Novamente o piloto teria que aguardar outra aeronave trazer uma peça que possivelmente servisse.

Voar com a buzina de estol apitando não era tão crítico como voar com 100 ou 150 kg acima do envelope, ou mesmo 300 horas fora da revisão. O medo era algo constante, a sorte sem dúvida não podia faltar, mas aquelas pessoas e seus trabalhos tinham que ser mantidos.

Eduardo Mateus Nobrega
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