Entre uma escapadinha e outra de um castigo totalmente sem fundamento, aproveitava para dar uma passadinha no Canal Piloto e em outros sites. E como todo detalhista, nada me impedia de abrir a página de um site especializado na frota das cias aéreas brasileiras. Qual não foi a minha surpresa de olhar nele que a Webjet (ok, já deu de fazer propaganda…) desativou alguns 737-300, que a Abaeté saiu dos céus e que a META também deixou de voar. E que até mesmo a GOL anda desativando alguns 737-700.
Está bem, nem todo mundo tem Jet A-1 nas veias ou trocaria uma mansão na praia por um voo de duas horas que poderia ser feito todo dia, mas o que quero discutir essa semana é como um avião pode impactar tanta gente. Cada dia que se passa, notícias e mais notícias aparecem, seja de acidentes (infelizmente a maioria) ou de empresas que fecham as portas ou renovam a frota, por exemplo. Mas ninguém pensa como uma dessas ações afeta o fator mais importante da vida dessas próprias pessoas: O fator humano chamado saudade.
O planeta gira, se renova, se reinventa, o céu muda, as pessoas crescem e se modernizam, mandando vários objetos e produtos para uma lata de lixo que está ao lado da estrada da vida. E sempre tem alguém que se apega a esse produto ou objeto, custando a acreditar que ele já saiu do ar. Logicamente, o mesmo ocorre com os aviões. Quando você menos espera, você vê algo totalmente novo ou melhorado céus afora. Enquanto isso, o que já foi novo se torna velho. E daí chega o momento de dizer adeus.
Quando a Gol comprou a Varig, já era sabido que os 737-300 iriam sair de linha por exemplo, e essas aeronaves seriam abandonadas num aeroporto ou deserto qualquer, cortados a machado e vendidos no quilo para um ferro velho. Mas foram voar mais um pouco, ainda que aos trancos e barrancos. Ninguém precisa duvidar que nenhum desses deverá ficar no país para ser preservado ou transformado em bar, lanchonete, parquinho infantil ou qualquer coisa, ao menos por enquanto. Mas fica aí a sugestão.
Volto no tempo uns quatro anos atrás. O vento bate no meu rosto, com um inesquecível aroma de querosene com borracha queimada. E na minha frente, em uma tarde ensolarada de domingo, o Aeroporto de Guarulhos, com aviões descendo e subindo loucamente a cada minuto. Vários Boeings, Airbus, Embraer e até mesmo Bombardier estão parados ou em movimento, exibindo suas belezas particulares. Estou no gramado da BASP, de frente para as pistas do aeroporto. Um Airbus A340-500 da TAM é rebocado para o portão de onde partiria rumo à Milão. De repente, pousa suavemente um turboélice Embraer 120 Brasília da também finada Air Minas, o PR-MGE. E decola também um 767-300, o PR-VAF, da eterna Pioneira. E, dois minutos após, pousa o VC-96 FAB 2115, com seu reverso agudo. Só de imaginar já doeu o ouvido, não é? Antes de decolar, o jato da Varig tinha como ala o PR-MTD, da também finada TAF Linhas Aéreas. O ruído de seus motores Pratt and Whitney em potência de táxi era algo impressionante e belo. E atrás dele, vinha o Embraer 110 Bandeirante, o FAB 2293, com sua pintura camuflada se destacando entre os outros aviões.
Mentalmente saio desse dia e vou para outro domingo, mas de céu nublado e com uma tempestade armada. Meu bom senso diz “volte para casa, mesmo de bicicleta, é cansativo subir as ladeiras da BASP”, mas a minha alma dizia “fica aí, se abriga no prédio do Comando, é domingo mesmo e não tem expediente mesmo. Logo a chuva passa”. Passados dois minutos, surge o magnífico KC-137, FAB 2401, taxiando rumo à pista 09L. A chuva é forte, mas os motores são mais barulhentos. E nada da chuva passar. Só me dou por satisfeito quando o quadrimotor decola. Chego à minha casa depois de meia hora numa chuva de molhar os ossos, levando uma gripe de presente. Mas estava realizado mentalmente.
Penso no prazer que sinto em admirar aviões ou aeroportos. Vejo que vi algumas daquelas aeronaves em questão ou modelos pela última vez ao vivo e em cores, seja nessa ocasião em especial ou em outras tardes. Mesmo triste em saber que algumas dessas estão jogadas em algum aeroporto, fico satisfeito em saber que posso compartilhar essas lembranças. Embarco mentalmente rumo à 2012. Hoje é o dia 13 de Março de 2012. Enquanto escrevo essas mal traçadas, aviões estão nos céus ou parados, voando pela primeira ou última vez. Alguém está tirando fotos ou fazendo um vídeo, para postar no Youtube ou guardar de lembrança daquele momento, ou mentalmente está tentando descobrir qual avião está pousando ou decolando, como o Airbus 320 da TAM Linhas Aéreas, que pousou algum tempo atrás, avistado da janela do meu quarto. E com essas lembranças, chego à conclusão que não importa se o avião é ruim ou bom, econômico ou gastão, a lembrança vai ficar no templo da eternidade, marcada em alguma imagem, algum vídeo ou em alguma mente, como a desse autor que vos escreve. Aproveite para dar o seu adeus, pois talvez realmente seja o último.
Agora, lhe faço uma pergunta: Qual a sua aeronave preferida, que te marcou? Qual a lembrança relacionada à aviação que mais te marcou? Deixe nos comentários e compartilhe esse momento com os demais leitores.
Para terminar, deixo o verso de uma canção sertaneja, mas que traduz o que entusiastas no mundo todo sentem quando um avião é aposentado e outro entra (ou não) no seu lugar. Que todos tenham uma boa semana e que façam bons voos:
“Não aprendi dizer adeus
Mas deixo você ir sem lágrimas
No olhar, se adeus me machucar
O inverno vai passar, e apaga a cicatriz”
Antonio Ribeiro
21/04/2012
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