O fim do A380 | Enderson Rafael

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Quando a Airbus anunciou o A3XX, no final dos anos 1990, o público se empolgou com as possibilidades. Uma aeronave para 800 passageiros, e que poderia acomodar lojas, cassino, ginásio, salões de beleza. Enquanto a Boeing abandonava a ideia de um novo grande avião para substituir o já vitorioso Boeing 747, a Airbus tratava de desenvolver uma aeronave capaz de levar 40% mais passageiros, diluindo os custos operacionais para algo entre 15 e 20% mais baixos que o consagrado jumbo. Embora fosse uma revolução suficiente para que muitos duvidassem da capacidade tecnológica de se construir uma aeronave desse tamanho, comparado ao projeto da Boeing, mais que o dobro do tamanho do maior avião da época em que fora lançado, o projeto da Airbus era relativamente conservador. No entanto, incorporando inovações de materiais e logísticas inviáveis para o 747, a Airbus conseguiu iniciar a produção, e em 2005 o A380 fez seu primeiro voo.

A Boeing decidira seguir outro caminho, e após flertar com a ideia de um 747 maior e uma aeronave transônica, acabou por investir em um tal de 7E7, que prometia ser 20% mais eficiente que o Boeing 767. Em 2003, o projeto ganhou o apelido – democraticamente escolhido – de “Dreamliner”, e em 2004, os primeiro clientes. Enquanto o A380 começava a ser entregue, o projeto extremamente inovador do Boeing 787 atrasava, mas as vendas de ambos aviões já anunciavam o vencedor de uma disputa muito maior e mais profunda: que tipo de avião o mercado realmente queria.

Enquanto a Boeing acreditava que o público e as companhias queriam um avião capaz de ligar destinos secundários e distantes em voos non-stop, a Airbus, considerando a força dos hubs, apostava no modelo tradicional de centrar as operações em grandes aeroportos. E foi essa visão que selou o destino do superjumbo. Ainda que nenhum dos quase trezentos A380 entregues tenha abrigado muito mais que um chuveiro ou um lounge, de fato o espaço interno permitiu tanto configurações de cabine luxuosas quanto grandes quantidades de passageiros a serem transportadas em rotas e horários de alta densidade. Com velocidade baixa de aproximação, características de voo semelhantes a aviões menores e o consagrado conceito de conforto da Airbus, o A380 conquistou tripulantes e passageiros na Europa, Oriente Médio e Ásia. Mas nas Américas, nenhuma companhia jamais operou um A380, o que já era um sinal do destino da aeronave. Como era enorme, o A380 exigiu uma nova classificação de tamanho, e muitos aeroportos pelo mundo precisaram investir grandes somas para recebê-lo, e vários outros nunca o fizeram, limitando ainda mais os mercados em que o avião poderia operar. E não foi apenas no chão que o tamanho descomunal da “baleia” causou problemas. Vários incidentes graves envolveram as esteiras de turbulência de um gigante capaz de voar alto, rápido e longe, o que mobilizou tanto o treinamento de pilotos quanto a administração do espaço aéreo pelos órgãos de controle de tráfego.

Mas tudo isso seria administrável se o A380 fosse economicamente interessante, mas o tempo mostrou que além de caro de comprar, o A380 era caro de operar. Apenas poucas rotas de alta densidade justificaram seu uso, e a versão cargueira, nunca levada adiante, encurtou ainda mais a vida do superjumbo. À exceção da Emirates, que tem quase metade dos A380 em operação no planeta e acaba levando-o a mercados muito menores do que em geral as outras operadoras levam, o gigante é uma visão única nos grandes aeroportos do mundo. Embora não seja nem de longe uma unanimidade em termos de beleza, é impossível passar incólume por sua imponência. No Brasil, hoje o A380 opera regularmente na rota para Dubai com ótimas taxa de ocupação, mas tanto nós quanto o resto do mundo vão, aos poucos, deixar de ver esse imenso avião. Encerrando um ciclo de quadrirreatores que começou junto com a era do jato, após a desistência de alguns clientes importantes, o A380 tem o final do seu programa anunciado na mesma semana em que seu arquirrival, o 747, completa meio século de produção e vê décadas de operação pela frente na versão cargueira. Enquanto isso, a Airbus investe no A350, uma aeronave que, feita com pouco tempo e recursos após a enorme energia gasta no A380,encontrou um estreito nicho que a Boeing achava ter assegurado entre a eficiência incrível do 787 e a capacidade inigualável do 777. Nessa indústria, qualquer movimento em falso custa caro, e nenhuma aeronave atual comprova mais o ditado do que o gigante europeu: “esqueça tudo que você apendeu sobre potência, sustentação, peso e arrasto; o que faz um avião voar é dinheiro.”