O problema do “Conteúdo programático da ANAC”

Quando comparamos a formação aeronáutica brasileira com a de países mais desenvolvidos, é comum focar-se na estrutura aeroportuária, padronização das aulas de voo e custo benefício como um todo.

Todavia, pouco se fala de outro aspecto que também precisa evoluir na formação nacional: o conteúdo dos cursos teóricos.

Apesar do teórico de PP e PC terem ambos pontos a melhorar, o de PP é o maior alvo desse gênero de debate, vendo que é através dele que um piloto ingressa, preparado ou não, na aviação prática.


Parte do que estudamos não é necessário

Ainda me lembro de uma frase honesta que meu primeiro professor de Navegação Aérea citou em sala.

“Para falar a verdade, boa parte do que a gente vai ver aqui vocês nunca mais vão usar. Mas temos de estudar porque tudo isso está no conteúdo programático da ANAC.”

Papel das sapatas no freio a tambor, dimensão lateral das aeronaves inferiores e cálculo de base de nuvem, são algumas informações que precisamos decorar para a prova teórica, mas dificilmente utilizamos nos voos rotineiros.

Até mesmo o nosso inseparável amigo Computador de Voo acaba por ser aposentado. Mesmo ele sendo uma ferramenta necessária na fase teórica, não é raro você ver pilotos formados o colocando a venda, em vista que os cálculos básicos que são necessários nos planejamentos de voos, como tempo de deslocamento em X velocidade, podem ser feitos com simples Regras de Três.


“Ora, mas todo conhecimento é útil”

O elementar detalhe que impossibilita esse famoso argumento é o tempo do curso teórico.

Quatro meses é a média dos cursos teóricos no Brasil, e as escolas e livros fazem o possível para passar todo o conteúdo obrigatório dentro desse período.

Se o curso fosse simplesmente aumentado para incluir o que a ANAC e o que os pilotos acham necessário, o custo da formação, que já não é barata, seria extrapolado ainda mais.

Por outro lado, os debates em relação a esse tema não visam simplesmente cortar os conteúdos “dispensáveis”, unicamente para diminuir o tempo e preço do curso. Há um motivo bem mais relevante como base.


Parte do que é necessário, não estudamos

Antes de todo voo em um espaço aéreo e aeronave que o requeira, temos de preencher um Plano de Voo, seja na sua versão completa ou simplificada. É algo que faz parte da rotina de boa parte dos pilotos.

Quantos planos de voos preenchi durante meu curso teórico? Zero.

O máximo que vimos foram detalhes quanto a sua validade legal, e o que caracteriza seu cancelamento ou processo de atualização. Tive de aprender na prática ao longo dos voos.

Motivo? Simples falta de grade para abordar esse assunto adicional, diante dos demais que são certos de estarem na prova teórica.

A Fraseologia de Tráfego Aéreo é outro conhecimento que precisamos colocar em prática em todo voo. Porém, assim como todo novo piloto no Brasil, aprendemos também esse tema unicamente na prática, direto na primeira aula de voo.

Isso é importante vendo que a comunicação é um dos pilares da segurança de voo, havendo ocorrido diversos incidentes e acidentes aéreos que tiveram a má emissão ou compreensão de informações como um dos fatores contribuintes.

Esses são apenas dois grandes exemplos dos diversos temas de uso rotineiro, que não estão em nosso curso teórico, simplesmente por falta de grade.


A consequência

Esse cenário gera dois fatores distintos.

O primeiro ponto resulta em uma parcela de pilotos despreparados, que só irão perceber a importância de certo conhecimento quando passarem por alguma situação perigosa e/ou tomarem uma salgada multa por infração de tráfego aéreo. “Como assim eu tinha de ver no ROTAER a FCA desse aeródromo? Não sabia.”

Por outro lado, essa mesma deficiência também demonstra como existem pilotos dedicados. Mesmo depois de passarem com sucesso na prova teórica, muitos continuam consumindo conteúdo teórico a fim de suprir tal falta, seja através de outros livros, cursos presenciais, conteúdos virtuais ou até em aulas particulares.

Mas claro, infelizmente nem todos são assim, gerando portanto uma constante possibilidade de hora ou outra isso não acabar bem.

Assim, seguimos torcendo pelo melhor, seja pelo bom preparo individual dos pilotos, ou pela esperança de que um dia tal conteúdo programático será revisto pela nossa agência.

Como diria o Professor Kalazans: “Os cursos teóricos não formam pilotos, formam alunos para passar na prova da ANAC.”

Alexandre Sales
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