Na realidade, nem todo parafuso é igual. Da mesma forma que existem diferentes modos de entrar em um, também existem tipos diferentes de parafusos a que uma aeronave pode se expor. A principal diferença entre os dois é que um é causado por uma discrepância na força de sustentação entre as duas asas, quando esta sempre deve ser de igual intensidade em ambas. A esse dá-se o nome de parafuso comandado, pois normalmente é ocasionado por um comando do piloto em um momento inoportuno, como quando a aeronave atinge o ângulo de sustentação máxima, e o piloto faz uso do aileron para compensar alguma tendência. Isso leva uma das asas a passar do ângulo de estol e afundar. A aeronave entra então em um parafuso com o nariz pra baixo.
O segundo tipo é considerado irrecuperável. Isso mesmo: uma vez nele, você pode fazer poucas coisas, embora já se tenha relatos de pilotos que conseguiram contornar a situação. O parafuso chato ocorre por conta da má distribuição do peso na aeronave. O CG tende a “passear”, e quando isso ocorre, o desequilíbrio da aeronave leva à condição mais favorável da ocorrência do parafuso chato. O parafuso chato nada mais é que a queda nivelada da aeronave. A cauda pesada impede que o nariz abaixe e o avião consiga recuperar o voo. Dessa forma, o ar (vento relativo) passa perpendicularmente pelas superfícies de controle, impedindo qualquer comando do piloto.
Perceba que seja qual for o caso de parafuso, chato ou comandado, a ocorrência é causada por ignorar os limites da aeronave, seja em relação às velocidades mínimas ou às características estruturais e de performance do avião. Como os dados do CENIPA mostraram no primeiro artigo, o jeitinho brasileiro infelizmente se faz o mais responsável por isso – novamente leia-se “jeitinho” por uma forma de violar as regras. Por conseguinte a esses riscos, a ANAC proibiu o treinamento e retirou do manual de manobras toda e qualquer instrução envolvendo parafusos, desde a entrada à recuperação do mesmo, por motivos de segurança. Mas isso realmente promoveu uma maior segurança aos pilotos?
A instrução prática baseia-se quase toda em treinamentos de emergência: pane no motor, perda de comandos e situações anormais ao voo. Seria coerente considerar a entrada em parafuso como uma situação muito anormal ao voo? E uma vez que a aeronave corre esse risco, por que não treinar os pilotos para reagirem a ela? A ideia de promover uma maior segurança retirando um determinado treinamento importante do curso prático não me parece muito coerente, no entanto foi a adotada. Essa foi a decisão da ANAC. Cabe a nós nos adaptarmos e evitarmos uma situação como essa. Talvez com uma reformulação dos Códigos da Aviação Civil, nós futuramente tenhamos esse treinamento de volta aos manuais.
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