O Último Voo

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Sun

Quando entramos para a aviação, buscamos realizar um antigo sonho humano: dividir com os pássaros o privilégio de voar, de estar num ambiente historicamente relacionado à divindade. Almejar o ingresso na aviação comercial, no transporte de passageiros, é acrescentar novos elementos a esse sonho. É querer possibilitar férias inesquecíveis, reencontros emocionantes, negócios celebrados com sucesso, abraços demorados e lágrimas de felicidade nos aeroportos do mundo. Para isso eu acredito que todo bom tripulante se prepara com esmero. Desde a comissária, que guarda seu melhor sorriso para receber e acomodar os passageiros, até o comandante, que segue todos os seus procedimentos em busca de um voo, acima de tudo, seguro.

Voar sempre foi um sonho. E sejamos aviadores ou não, é impossível mantermo-nos indiferentes quando um sonho se torna um pesadelo. Pessoalmente, eu me consideraria muito insensível se não expressasse, hoje, meu imenso pesar pelo incidente da última sexta-feira com a Malaysia Airlines. Para isso peço licença a todos vocês, nossos leitores, para um breve parênteses em nossa programação normal.

Em tempos de avanços na tecnologia de aeronaves não tripuladas, penso primeiramente na questão moral e ética que leva (e sempre levará, acredito) pilotos e comandantes a continuarem embarcando em suas aeronaves. Estes são os primeiros a nos dizer, com seu embarque: “Eu empenho minha própria vida em nome de que este voo chegará em segurança ao seu destino”. Acredito que, daí, vem boa parte de minha enorme admiração a esses profissionais. Acredito, também, que esta foi a postura da tripulação envolvida no incidente, assim como deve ser a nossa própria postura, sejamos aviadores de hoje ou do futuro.

Muitas tentativas de explicação surgem nos primeiros momentos após um triste incidente desta natureza. Neste exato momento, “especialistas” de plantão já teceram suas primeiras teorias internet afora, ignorando a excelente reputação que têm a Malaysia Airlines e o Boeing 777-200. Lembremos, contudo, o que é nosso dever de aviadores esclarecer: absolutamente TUDO o que se diga antes da recuperação das caixas pretas é pura especulação e leviandade. Não nos cabe julgar pilotos, mecânicos, controladores de voo ou qualquer outro profissional da aviação. Pelo menos, não antes de devidamente apuradas todas as causas. Guardar silêncio durante as investigações é, no mínimo, respeitar a memória daqueles cujo destino desconhecemos.

Desde a última sexta-feira, há uma lacuna no quadro de chegadas do aeroporto de Pequim. Há uma aeronave que não chegou ao seu destino. Há abraços que não foram trocados, mãos que não foram apertadas, lágrimas de felicidade que se converteram em lágrimas de desespero e saudades. Há passageiros que chegaram a um destino diferente do esperado, e tripulantes que deram suas vidas no cumprimento de seu dever. A nós que ficamos, resta a esperança de que novas lições aprendidas evitem outros episódios desta natureza. E independente de nossas crenças, ficam os votos de que esses passageiros e tripulantes sejam bem recebidos e acolhidos em seu novo desembarque.

Luiz Cláudio Ribeirinho
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