Pensando bem na decolagem

De acordo com o artigo 167 do CBAER (Código Brasileiro de Aeronáutica), “O Comandante exerce autoridade inerente à função desde o momento em que se apresenta para o voo até o momento em que entrega a aeronave, concluída a viagem”. Diferente de suas responsabilidades, no entanto, seus problemas e questões pessoais não o acompanham somente entre o embarque e o desembarque. Ainda que involuntariamente, o piloto traz consigo suas preocupações pessoais para a aeronave. Da mesma forma, leva também consigo, para fora da aeronave, as pressões psicológicas sofridas durante o voo.

É importante ter consciência de que, a partir do momento que você inicia uma tarefa a bordo trazendo consigo interferências psicológicas, você coloca em risco a si mesmo, à sua tripulação e aos seus passageiros. Uma vez que seu estado psicológico não esteja devidamente equilibrado, comprometem-se o seu comportamento, sua percepção e, consequentemente, a comunicação a bordo.

Para quem não voa, uma boa comparação seria dirigir discutindo com alguém ao lado. O risco de acontecer um acidente eleva-se substancialmente. O mesmo acontece ao iniciar um voo – leia-se toda a fase de checks e decolagem – com sua mente totalmente desconcentrada. Como disse anteriormente, é durante a decolagem que temos à mão 66% do stress envolvido em todo o voo. Esse stress é causado pela quantidade de informações a serem gerenciadas e absorvidas pelo piloto. Para que se tenha uma ideia, uma instrução de saída IFR via fonia pode conter 15 segundos de informações imediatas e precisas, que precisam ser passadas simultaneamente para a aeronave, e cotejadas com clareza. Um piloto é treinado para fazer isso constantemente, mas uma coisa é executar essa tarefa no seu estado normal, outra coisa é tentar executar a mesma tarefa sem o nível de concentração adequado. O que pode ocorrer, então, é o piloto realizar o que foi instruído a fazer, mas sem total consciência do que faz. Pode parecer um certo exagero, mas certamente todos nós já passamos por situações assim em nosso cotidiano. No entanto, fazer uma aeronave decolar não é exatamente uma tarefa cotidiana.

Ainda que a decolagem tenha ocorrido sem maiores problemas, o voo ainda está longe de acabar. Novas fases do voo requerem diferentes ações do piloto em comando. Se essas alterações psico-comportamentais se mantiverem, a segurança, a navegação e o conforto dos passageiros continuarão comprometidos nas próximas etapas do voo, como veremos nos nossos próximos capítulos.

Eduardo Mateus Nobrega
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