Quando o voo não fica mais tão interessante

Nós sabemos que existem determinadas fases do voo onde o piloto se encontra em muito maior atividade que outras. Algumas chegam a ser extremamente estressantes e passíveis de maiores riscos, como a decolagem e o pouso, por exemplo. Em contrapartida, existem períodos do voo onde os riscos são mínimos, e todos os parâmetros operacionais da aeronave são mantidos. Desta forma, o piloto fica praticamente sem atividade no cockpit, por vezes entrando em estado de ociosidade durante horas, sem poder deixar o posto da cabine. Não chega a ser algo torturante, e sem dúvida o piloto pode se condicionar, como em qualquer outro serviço. Mas somando-se a essa situação o problema que o nosso tema da semana envolve, a coisa muda muito, e o que seria a fase mais tranquila do voo – o cruzeiro – se torna um período torturante. Apesar do voo ter transcorrido bem até este ponto, o restante pode não ir tão bem assim.

Primeiro entendamos que a partir do momento em que você inicia uma atividade com o seu humor alterado, seu comportamento pode se alterar, e por conseguinte, sua performance será prejudicada. Mas ainda assim, em função da prática com a tarefa, há possibilidade da mesma ser feita com segurança. Se, por exemplo, sua esposa estiver muito chateada e decidir fazer o almoço, não significa que a comida vai ficar ruim, ou que ela vá perder um dedo cortando os condimentos. Justamente por conta da prática e do hábito constante da atividade, tudo deve transcorrer normalmente. Da mesma forma ocorre com a função do piloto a bordo. Apesar de seu humor estar alterado por conta de algum problema pessoal, não é regra geral que ele vá errar ao realizar uma tarefa. Mesmo assim, ele estará exposto a maiores riscos.

A coisa muda de tom quando não estamos realizando tarefa alguma, limitados a não fazer nada. Aí se manifesta a sensação de castigo e de reclusão. Voltando ao exemplo do voo de cruzeiro, temos uma situação perfeita que exemplifica isso. Somando-se ao fato do piloto eventualmente estar com o humor alterado, sobrecarregado de problemas pessoais, há o fato dele ter que passar várias horas sentando sem realizar tarefa alguma, muitas vezes ao lado de um comandante ou copiloto que mal conhece. Isso gera uma série de danos à relação dentro da cabine, e consequentemente à segurança do voo, que é o principal objetivo nessa etapa.

Dessa forma, fica claro como ter um mau estado psicológico a bordo prejudica sua performance em qualquer fase do voo. É muito difícil manter o padrão de eficiência com um dos três fatores do Cenipa (Homem, Meio e Máquina) prejudicados, mas a situação se torna muito mais delicada se os problemas se concentrarem no fator “Homem”. Nos próximos capítulos, vamos ver como o pouso pode ser afetado, de forma que até a percepção visual do piloto possa ser prejudicada.

Eduardo Mateus Nobrega
Redes
Latest posts by Eduardo Mateus Nobrega (see all)