Reaprendendo a voar sem o som

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Um fenômeno interessante sobre a ultrapassagem da barreira do som é que, logo após o cruzamento desta, um verdadeiro silêncio toma conta da cabine. Barulho algum pode então ser ouvido. Esse silêncio amorfo pode dar a impressão de que tudo está sob controle agora, que o pior já passou, e que aquele momento é até um prêmio por todo o esforço empregado em ultrapassar a velocidade do som. Mas isso é um mero engano.

Os pilotos, na realidade, mal têm ideia do que ocorre em frações de segundos para que seus comandos possam ser efetivos nas velocidades acima de M 1.0 (Velocidade teórica do som). A aeronave nesse ponto trabalha e resiste contra forças totalmente diferentes das encontradas até a barreira. A própria reação aerodinâmica, que torna possível o voo, às vezes é mudada. Como, então, manter tudo como era antes? Manter é impossível, mas podemos hoje mascarar os problemas de compressibilidade do ar – isso mesmo, tornar invisível ao piloto o que, para a aeronave, custa toneladas de força.

Por mais rápido ou mais devagar que um avião possa voar, ele vai sempre sofrer forças contrárias ao voo que, se ignoradas, podem ser destrutivas à sua estrutura. Uma aeronave é projetada para voar em uma velocidade ótima, como se aquele tipo de voo estivesse no DNA da sua construção. Dessa forma, um avião que é concebido para voar em Mach 2.0 não deve ultrapassar essa velocidade, pois como vimos, isso ocasiona sérios danos ao voo. Mas é preciso perceber que até a velocidade do voo se nivelar em M 2.0, o avião precisou passar por todas as velocidades anteriores, estando então “exposto” a riscos e perdas de performance – leiam-se mudanças bruscas de reações aerodinâmicas.

É aí que tudo se reúne numa perfeita fórmula de problema e solução. O surgimento de equipamentos Fly-By-wire e computadores digitais ajudou os pilotos a lidarem com o comportamento do avião, em velocidades onde eles não são feitos para voar. Quando um caça decola, ele precisa usar outras leis de sustentação para tornar possível a elevação aerodinâmica de dezenas de toneladas no ar, mas o piloto apenas puxa o manche e o mantém para trás. Como, então, traduzir um comando desse, por exemplo, de modo a sempre respeitar as mudanças entre as regras do voo? E o mais importante, como não fazer o piloto se preocupar com limitações operacionais do próprio avião, quando essas regras aerodinâmicas mudarem subitamente após a barreira do som?

Um piloto precisa se preocupar em voar o avião, e somente com isso. Deve buscar o objetivo para o qual ele foi destinado a estar ali. É justamente por isso que o voo supersônico só foi possível com o avanço da tecnologia. Romper a barreira do som, sem sombra de dúvida, era possível há algum tempo pelos potentes motores a jato, mas tornar o voo praticável, nesse silêncio de forças dinâmicas extremamente fortes, foi um passo tão grande quanto aprender a voar.

Eduardo Mateus Nobrega
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