A Tecnologia não pode substituir os Pilotos

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Esse texto é uma tradução livre de uma publicação do Comandante Sully Sullenberger,
na tentativa do Canal Piloto 
em fazer importantes mensagens como essa chegarem a
cada vez mais profissionais e futuros profissionais da aviação.

O Trágico e horrível acidente da Germanwings nos Alpes franceses em março de 2015 levantou uma questão importante e sem precedentes: como podemos evitar um piloto de intencionalmente bater um voo comercial? Alguns sugeriram eliminar o risco, eliminando os pilotos — e confiar apenas em tecnologia de automação avançada. Tal pensamento é, em parte, o resultado da onipresença da tecnologia em nossas vidas. Porém, mais significativamente, reflete uma incompreensão fundamental do que os pilotos realmente fazem, e o que a tecnologia pode ou não fazer.

Em quase meio século tenho servido como piloto (muito desse tempo como especialista em segurança em aviação), e vi tremendas mudanças na tecnologia da aviação. E essas mudanças alteraram drasticamente o trabalho do piloto. Passamos de voar manipulando manualmente os controles para voá-los usando a tecnologia na maior parte do voo, e ainda voar manualmente por apenas alguns poucos minutos.

O que a maioria das pessoas leigas não sabe é que os pilotos são sempre os que pilotam o avião. São os pilotos que tomam todas as decisões sobre o voo, selecionando o caminho e a altitude a voar, entre muitas outras coisas. Estamos constantemente voando o avião com nossas mentes, mesmo quando escolhemos usar alguma tecnologia para nos ajudar a mover os controles.

A tecnologia tem seus pontos fortes e fracos. Por exemplo, é superior aos seres humanos em sua capacidade de monitorar consistentemente condições durante um período prolongado de tempo. É por isso que a tecnologia é essencial no rastreio de passageiros antes de embarcarem num voo. Ainda apesar da tecnologia continuamente melhorar a confiabilidade, quem duvida que pode que ela pode falhar no momento mais inoportuno possível provavelmente nunca usou um computador. A tecnologia também é limitada, em que só pode fazer o que tinha sido previsto e para o qual ela foi programada.

O que isto significa é que ainda não há substituto para o que os seres humanos trazem consigo — talvez o mais importante, através de nossa capacidade de se adaptar e inovar. Considere o que foi chamado “o milagre no Hudson” – minha aterrissagem de emergência na água da US Airways Voo 1549 após ambos os motores falharem como resultado de um bird strike (colisão com aves). Eu vi os pássaros naquele dia só 100 segundos após a decolagem, a cerca de dois segundos antes de chegarmos a eles. Eles estavam naquele momento a uma distância pouco maior que dois de campos de futebol, mas nós estávamos viajando a 316 pés por segundo (96 metros por segundo). Não havia tempo ou distância suficientes para manobrar um avião a jato para longe deles. E então, foi como um filme de Hitchcock. Estávamos em cima deles. Eu vi os pássaros encherem o para-brisas. Eu podia ouvir as pancadas quando os atingimos. E como os pássaros entraram nos núcleos de ambos os motores a jato e começaram a causar-lhes danos, ouvi barulhos terríveis que eu nunca tinha ouvido antes.

De repente, minha tripulação e eu tínhamos apenas 208 segundos para fazer algo que nunca tínhamos treinado, e para acertar de primeira. Eu sabia por experiência que havia apenas duas pistas perto de nós que talvez pudessem ser acessadas. Mas eu tinha que ser capaz de olhar pela janela e, com a experiência obtida em milhares de voos, perceber que elas estavam um pouco longe demais. A única opção era o rio.

O fato de que pousamos um avião comercial com 155 pessoas no Rio Hudson, sem motores e nenhuma fatalidade não foi um milagre, no entanto. Foi o resultado do trabalho em equipe, habilidade, conhecimento profundo e o julgamento humano que vem da experiência. Até hoje, eu não sei de nenhuma tecnologia, mesmo no horizonte de desenvolvimento, que poderia ter feito o que fizemos. Mas poderia a tecnologia ter evitado o terrível acidente da Germanwings, que matou todas as 150 pessoas a bordo? Talvez. Ajudaria também a impedir um próximo evento imprevisto? Provavelmente não.

Como tecnologia, nós seres humanos temos nossas limitações. Mas uma equipe de dois pilotos profissionais supera muitas dessas limitações, porque na aviação sabe-se muito bem como pegar uma dupla de experts e criar uma equipe expert. Gerenciando cargas de trabalho e apoiando uns aos outros, por exemplo, criamos um sistema que é mais robusto, resistente e confiável do que a soma das suas partes.

O oposto é verdadeiro com tecnologia. Quanto mais camadas são empilhadas em sistemas cada vez mais complexos, mais possibilidades de falha apresentamos. Nós aprendemos que a automação não elimina erros. Pelo contrário, muda a natureza dos erros que são feitos, e torna possíveis novos tipos de erros.

O resultado é este: sistemas que integram o melhor da tecnologia e habilidades humanas são os mais seguros para todos os interessados. Então, quando nós projetamos nossos sistemas, precisamos atribuir funções apropriadas para os componentes humanos e tecnológicos. É melhor que os seres humanos sejam os que fazem, e a tecnologia seja quem monitore, fornecendo ajudas para decisão e salvaguardas.

Infelizmente, não há nenhuma bala de prata — não há uma coisa que irá impedir todas as tragédias futuras. Voar, como a vida, é mais complicado que isso.

Luciano Faiolo
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