Voando “visumento”

Certa vez me perguntaram se é muito difícil pilotar um avião. Respondi com a seguinte frase, que já havia escutado de outro piloto: Se você não atrapalhar, o avião voa sozinho! Hoje, a aviação possui muitas ferramentas que auxiliam o voo, ou mesmo automatizam determinadas tarefas. Há quem diga que, inclusive, o avião pode voar sozinho. Não preciso nem comentar tal afirmação, mas quanto mais a tecnologia avança e novos equipamentos são criados, mais é necessário obter um treinamento específico, e mais profissionalismo é demandado para poder gerenciar o voo.

Quando não há esse treinamento, essas muitas ferramentas, embora atuais, não ajudam em praticamente nada. Se o tipo do voo exigir seu uso, as consequências podem ser piores que uma simples perda de tempo olhando os manuais, e é justamente aí que surge uma grande janela para a passagem dos perigos que envolvem o fator operacional. O voo improvisado – conhecido popularmente como “visumento” – é um claro exemplo disso.

Voar “visumento” é um modo popular dos pilotos dizerem que o voo, embora sob condições IMC, acontece sob orientações visuais do piloto. A aeronave se encontra totalmente “guardada” numa camada de nuvens, operando em regiões habitadas ou montanhosas, e o piloto insiste em manter a separação de tráfego ou do solo visualmente, garantindo-se pela sua percepção pessoal ou pelo seu senso de confiança. Acredite ou não, isso ocorre com frequência todos os dias na aviação brasileira.

A falta de treinamento e a pressão pelo voo levam o piloto a voar mesmo em condições adversas, e sem conhecer os equipamentos disponíveis ou recursos facilitadores que lhe são disponibilizados. A questão então é: O que isso tem a ver com CFIT? Tudo, pois voar em condições de tempo desfavoráveis e sem saber realizar os procedimentos mais básicos, guiando-se pela percepção visual, é o que desencadeia, em 90% dos casos, um acidente de colisão da aeronave com o solo.

Claro, existem episódios em que o CFIT é causado por uma má aproximação – leia-se um belo catrapo – ou mesmo por algum obstáculo não ultrapassado no segundo terço da decolagem. Ainda que a aeronave suba com um ângulo máximo de subida, ocorrem eventualmente perdas de performance, e o “acho que dá” pode não dar.

Não raro, é possível encontrar casos que mostram essa clara falta de preparo de um piloto, ou mesmo ignorância das condições climáticas e dos procedimentos, que levam à perda total da tripulação e passageiros a bordo da aeronave. Um exemplo disso foi o acidente que levou ao fim a banda Mamonas Assassinas, em 1996, quando a aeronave que os transportava se chocou contra a Serra da Cantareira.

Ter um bom preparo para quais atividades você terá de realizar já elimina muitas possibilidades de erro dentro do campo do fator operacional. Voar “visumento” é o sinal mais claro de que, talvez, você não deva estar no comando naquele voo em particular.

Eduardo Mateus Nobrega
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