Você vai para os EUA, o dinheiro acaba e você volta sem a carteira

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Hoje nós finalizamos a nossa série sobre alguns dos mistérios que rondam a formação de piloto nos EUA através da FAA. Vamos desmistificar a última teoria:

Lenda: Você vai para os EUA, o dinheiro acaba e você volta sem a carteira.

Fato: Essa não é exatamente uma lenda, mas achei pertinente abordá-la pois é uma reclamação mais comum do que parece: muitas escolas vendem o pacote sem explicar o que ele realmente significa. Tanto as escolas part 141 quanto as part 61 baseiam seus pacotes nos mínimos FAA. Esses mínimos são iguais para todas as escolas que operem sob o mesmo part. Diferente do Brasil, há dois conjuntos de regras diferentes para formação: uma mais estruturada e com mínimos mais baixos – a 141 – e outra mais flexível e com mínimos mais altos – a part 61. Não faz diferença alguma na sua carteira FAA se você fez uma ou outra, mas na sua CIV sim: os mínimos 141 são parecidos com os do Brasil, os 61 são as tais 250 horas. De qualquer forma, imagine duas escolas part 61, com mínimo de 250 horas. Numa o curso sai por 45 mil dólares, em outra sai por 35 mil dólares. Como pode?

Bom, desde equipamentos, instalações, fama da escola, tudo pode influenciar para uma cobrar mais que outra. Mas eu garanto: em nenhuma das duas você vai gastar só isso. Sem contar alimentação, transporte e hospedagem, só o curso, o custo além do pacote varia por muitos motivos. Primeiro: nos EUA ninguém checa nos mínimos. O sistema é tão exigente, que a média de horas para o check de PP gira em torno de 70, o dobro do mínimo no Brasil. Isso acontece porque os requerimentos são muito altos, o que acaba atrasando o ponto em que o aluno estará pronto para o check – que reprova mesmo se você não estiver. Em contrapartida, um PP checado nos EUA pode alugar um avião e atravessar o país com a família, coisa bem diferente do Brasil. Claro que essas horas vão entrar na conta e serão descontadas das 250h, mas como você estará com o instrutor ou solo, será uma hora mais cara do que se você estivesse fazendo time-share com outro aluno.

Uma hora de Cessna 172 pode custar 140 dólares solo, 180 com instrutor e 70 dólares em time-share. Percebe? Todas são uma hora de Cessna 172 e aparecem iguais na sua Logbook, mas têm valores diferentes do previsto no pacote. Outra coisa que excede o pacote é o fuel surcharge. Todo pacote é feito em cima de um valor específico do galão de Avgas. Diferente do Brasil, o preço do Avgas nos EUA varia semanalmente, e mais diferente ainda do Brasil, ele até cai às vezes. Então, digamos que seu pacote prevê o galão a 6 dólares. Se ele estiver 6,50 você pagará 50 centavos a mais por galão que consumir, mesmo dentro do pacote. Se ele cair para 5,50 a escola costuma ficar com a diferença. Mas nem sempre: se você abastecer numa navegação – e isso é uma das referências para os alunos escolherem no time-share para onde vão voar – num lugar onde o galão seja 5 dólares, você vai pagar com seu cartão ou dinheiro e, ao voltar para escola, entregará na secretaria uma cópia do recibo. A escola lhe dará então um fuel reimbursement, no valor de 6 dólares por galão abastecido. Se você pagou 5 dólares, acaba de faturar 1. Se pagou 8 dólares (coisa comum nos aeroportos mais chiques), eles só te devolverão 6 e esse prejuízo de 2 dólares fica para você. Por isso é importante pedir todos os esclarecimentos ao representante da sua escola e uma vez lá, acompanhar suas contas o tempo todo durante o curso. Somando essas duas variáveis, o extra training pode chegar facilmente a 10% do valor do pacote. E claro, seja rápido: uma das maiores vantagens de se voar nos EUA é que você pode ir do zero a PC/MLTE/IFR em poucos meses. Quanto mais tempo você ficar lá, mais vai gastar com alimentação e hospedagem. Além do que, todo instrutor gosta de alunos esforçados e focados. Seja um destes.

Como vocês perceberam, ao longo desta série, eu não desmenti várias das coisas que vocês já ouviram ou leram sobre a formação americana. Sim, eles tem quase 2 mil pistas com RNAV/LPV, que tem mínimo de 200 pés. Sim, a Florida é do tamanho de São Paulo e têm tantos VORs quanto o Brasil inteiro. Sim, embora ainda existam NDBs nos EUA, os aviões lá dificilmente têm ADF. Sim, lá desligamos e embandeiramos o motor em voo no treinamento MLTE, e simulamos panes na decolagem. Sim, o Seneca voa com um motor só. Sim, você aprende peso e balanceamento desde o PP. Sim, você voa realmente solo, incluindo as navegações do PP e depois de checá-lo, sempre que você quiser. Sim, não há comparação entre a estrutura deles e a nossa. E sim, eu sou um fã incondicional da FAA, e tenho muito orgulho e me sinto privilegiado de ter voado lá e de ainda ir voar lá sempre que posso. Mas muito mais que isso, me sinto privilegiado de poder dizer para vocês tudo que tive que descobrir praticamente sozinho quando fui. Pois se há alguma coisa de que precisamos muito na hora de decidir sobre nossa apaixonante profissão, é de um pouco de razão para tomar as decisões certas.

Bons voos!