As Três Mais: Transbrasil

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As três mais da Aviação Comercial Brasileira: Capítulo 2: Transbrasil
Capítulo 2 – Parte 2 de 2 – Transbrasil
 
O Grande Salto, a Grande Luta e a Grande Queda
 
Uma tragédia deu o pontapé inicial dos Anos 80. O Boeing 727-100 PT-TYS bateu em um morro durante uma aproximação chuvosa em Florianópolis no dia 12 de abril de 1980. Omar ficou inconsolável, pois além de ter amigos pessoais no vôo, o acidente aconteceu na cidade onde nasceu. O episódio tirou um pouco de sua obstinação, talvez sendo um presságio das futuras dificuldades que a companhia teria.
 
Dois anos depois, precisamente no dia 24 de maio de 1982, um plano de reequipamento da companhia era anunciado, prevendo a compra de alguns Boeing 767 e 757, e que a companhia pretendia entrar no mercado de vôos cargueiros internacionais. A partir desse momento, começou a carreira dos “Transformers”, nada menos que aeronaves Boeing 707, as únicas aeronaves quadrimotoras operadas pela companhia do arco-íris. 
 
O grande salto foi  dado em junho de 1983. A chegada de três Boeing 767-2Q4, de prefixos PT-TAA, PT-TAB e PT-TAC fizeram a companhia operar vôos sem escalas do aeroporto de Congonhas para os Estados Unidos. Ainda que fretados, os vôos foram um tremendo sucesso.
 

Não menos importante, as operações da Aerobrasil foram iniciadas com alguns Boeing 707 usados, de origens distintas, juntamente com alguns Boeing 727 da própria Transbrasil. Omar gostou tanto da aeronave que bancou um projeto que transformaria os quadrimotores em Quick Change, ou seja, conversíveis entre passageiros/carga. Chegavam a voar meio-a-meio. Vale ressaltar que esses foram os primeiros 707QC do mundo!
 
Mas essa versatilidade custaria muito para a reputação da companhia. Omar costumava alternar a operação das aeronaves, que voavam para o mundo em vôos fretados especiais e pelo país, em vôos de carga e passageiros ou meio-a-meio. Com isso, o estresse da aeronave era maior, pois ela foi feita para vôos longos. Some a isso a falta de experiência da companhia, a própria idade dos aviões e a falta de experiência da companhia em relação ao modelo no quesito manutenção.
 
Além disso, os aviões eram de origens distintas, o que dificultava ainda mais a manutenção. Foi daí que surgiu o apelido de “Transformers”, pois os aviões taxiavam quadrimotores, decolavam trimotores e pousavam bimotores! Os passageiros mais freqüentes já estavam acostumados, a ponto de ligarem para a companhia querendo saber o tamanho do atraso, não sendo raro de se ver passageiros se apresentando nos balcões alguns minutos depois do horário programado…
 
As aeronaves começaram a se envolver em acidentes, que geralmente envolviam a perda de vidas e a perda da aeronave. O mais assustador provavelmente foi onde o PT-TCP literalmente perdeu a turbina, fato que só foi notado em terra. A turbina foi encontrada numa fazenda, e felizmente, nesse acidentes só houve uma vítima: a aeronave, que teve a turbina “decepada”…
 
Preocupado com a segurança dos vôos, Omar renovou totalmente essa frota, aposentando os Transformers do serviço de passageiros, mas não do serviço cargueiro. Após mais alguns acidentes sem fatalidades (fora as aeronaves, que quase sempre eram perdidas), a companhia deixou de ser uma entidade independente e passou a negociar os porões de carga dos widebodies da companhia-mãe.
 
Omar percebeu também que os belos trijatos estavam ultrapassados, e todos foram aposentados até o fim de 1989. Foram substituídos por novos Boeing 737-300 e 737-400, que passaram a servir as rotas domésticas. Mas antes disso, o governo iria criar um grande ressentimento na companhia de Omar Fontana.
 
Com o fim do Regime Militar, veio a trupe do Sarney e Cia Ilimitada, e para reduzir a inflação, o maranhense resolveu congelar todos os preços, mas não congelou os custos. Com um prejuízo tremendo, Omar entrou com uma ação na justiça, pedindo uma indenização pelo prejuízo que medida provocou na companhia. Não deu nem uma semana, e o Comandante foi deposto do cargo e foi nomeado um administrador. Na visão de Brasília, a Transbrasil estava sendo mal gerenciada.
 
Um ano depois, a companhia foi “devolvida” ao seu legítimo dono, com seu patrimônio dilapidado e números bem piores. Essa intervenção foi dolorosa para Omar, e sua audácia diminuiu mais ainda. A encomenda de alguns Boeing 757 feita pelo interventor foi cancelada. Vale lembrar que, o primeiro desses Boeing 757, o futuro PT-TDA, foi construído. Mas a Boeing o revendeu, e continuou voando até 2002, quando se chocou em pleno vôo com um Tupolev 154. Um fim trágico para essas duas aeronaves.
 
Mesmo assim, o Comandante tentou realizar um antigo sonho, que seria o salvador da pátria na companhia: Omar encomendou novos Boeing 767-300ER, sendo que o primeiro (PT-TAD) chegou em Cumbica em maio de 1991. Orlando e Miami chegaram em 1990, sendo servidas com o trio 767, aqueles mesmos que chegaram em 1983. Alguns meses depois, New York, Washington, Viena, Buenos Aires, Amsterdã e Londres começaram a ser servidas pela companhia. Omar tentou realizar seu sonho oculto, que era voar para a China e para o Japão, realizando um vôo de reconhecimento para Beijing. Mas esse era apenas um sonho de uma noite de verão, e a companhia se conformou com as rotas mencionadas acima. Mas Omar cometeu três erros fatais, que serão mais detalhados nos próximos parágrafos. 1º erro: Passou a operar seus modernos 737 em vôos com múltiplas escalas, encarecendo a operação e afastando o público executivo.
 
2º erro: Descuidou do mercado doméstico. A máquina de fazer dinheiro de Rolim, a farra política da Vasp e a companhia da Rosa dos Ventos roubaram boa parte dos 35% da companhia e, de brinde, o segundo lugar no ranking do antigo DAC.
 
3º erro: Esse não foi bem um erro, mas uma falta de planejamento. Tanto Omar sonhou com as suas amadas rotas internacionais que agarrou a primeira oportunidade com uma incrível agilidade. E pediu rotas com baixíssimas procuras. E a companhia estava tão mal das pernas que precisou cortar aquelas mesmas rotas internacionais, que tanto Omar sonhou.
 
Por falar na Velha Água, Omar deixou o dia-a-dia da empresa durante 1998, pois estava com sua saúde debilitada. Como manteve aquela ação judicial contra a União, chegou o dia de ser julgada. Das três companhias que moveram a ação, a Transbrasil foi a única que viu a cor do dinheiro, e Omar conseguiu saldar algumas dívidas.
 
Apesar de cortar a maioria das rotas para o exterior, a participação da companhia ainda diminuía no mercado doméstico. Os 737 eram devolvidos e repassados para a Varig pelos arrendadores. Outra solução que (quase) deu certo foi a criação de uma subsidiária regional: Com quatro EMB-120 Brasília, nascia a Interbrasil Star, que operava vôos regionais de alimentação para a própria Transbrasil. No seu auge, “arrendou” um 737-300 da companhia mãe, e operou simultaneamente com seis Brasília. A companhia encerrou suas atividades em 2001, junto com a companhia do arco íris.
 
Tentando modernizar sua imagem corporativa, Omar adotou um novo padrão de pintura, que foi um dos melhores da companhia. O arco-iris ficou mais moderno, e o título “Transbrasil” ganhou um novo estilo.
 
Em 7 de dezembro de 2000, a Velha Águia partiu para seu último vôo, rumo a Eternidade. Omar foi enterrado num domingo de sol, com um 767-300 fazendo evoluções sobre o “Clube dos Mortos”. O farol da companhia se apagou naquele dia.
 
No início do novo milênio, a companhia tentou sobreviver, a base de descontos e com uma nova administração. Mas mesmo com 70% de desconto, as aeronaves estavam vazias. Mas em nenhum momento os profissionais desta perderam a classe e a elegância.
 
A queda foi inevitável, e até a novata Gol ultrapassou a companhia. A frota ficou com cinco 737-300 e quatro Brasília da Interbrasil. Os 767 estavam na capital, sem nenhuma condição técnica para voar.
 
O fim logo chegou, após o 11 de Setembro. No dia 3 de dezembro de 2001, o Aeroporto de Congonhas recebeu naquela noite os últimos vôos operados pela empresa, mas não decolaram para os vôos noturnos. Enquanto não fosse paga as dívidas com companhias fornecedoras de combustível, nenhuma gota iria entrar nos tanques das aeronaves.
 
Esse golpe foi o fim do fim. Centenas de passageiros se apresentaram no dia seguinte para embarque viram apenas avisos escritos à mão, que diziam “a empresa suspendeu suas operações por tempo indeterminado”. Não houve dor nem sofrimento para a companhia, mas os funcionários não receberam até hoje a gaita de indenizações, nem seus salários atrasados desde setembro.
 
362 dias após a morte de Omar, a Transbrasil partiu para a Eternidade. Tentativas de alçar vôo surgiram no ano de 2002, mas nenhuma vingou. A companhia entrou em um coma profundo, de onde nunca saiu. Como estamos no Brasil, os mortos só morrem quando o Governo dá o atestado de óbito ou quando decreta a falência de alguma companhia que de falida, não teve nada, como a Panair do Brasil. Por isso, a companhia cheira mal igual um defunto fresco. Mas, oficialmente, ainda não está morta. Aguarde os próximos capítulos.
 
Frase da Semana
 
“A hélice é apenas um grande ventilador,
que fica instalado no avião apenas para refrescar o piloto.
Se ela parar em pleno voo, o piloto logo começa a suar”.
Alexandre Sales
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