Depois de duas decolagens abortadas, agora sei que vai acontecer. Me sinto bem e, por incrível que pareça, estou tranquilo. Foram cinco anos de preparação e a dedicação da equipe me dá toda a segurança necessária. Planejamos e tentamos prever tudo que poderia dar errado. Agora é só aguardar o guincho soltar a cápsula em que estou.
Contagem regressiva… 5…4…3…2…1… Decolagem. Pronto. Estou sendo erguido pelo empuxo do enorme balão de gás hélio. O maior construído até hoje. Quando estiver completamente expandido, vai ser maior que um campo de baseball. O material utilizado no envólucro é dez vezes mais fino que um plástico de hamburguer. Mais de 200 metros de altura. O estado da arte em engenharia.
Enquanto espero a altitude em que o balão não subirá mais, converso com Joe Kittinger no controle da missão. Fiz questão de ficar em contato com o pioneiro que em 1960 fez um salto de 31 quilômetros de altitude. Sua voz me tranquiliza mais ainda. Não posso deixar de imaginar o que ele passou sem a tecnologia que tenho hoje.
A missão está sendo transmitida ao vivo pela internet e meus twits também. Parece que vou passar de 100 mil seguidores em menos de 3 horas. Orgulho-me de estar sendo acompanhado ao vivo fazendo algo digno e não sendo protagonista de uma guerra como outras coberturas jornalísticas já mostradas pela internet. É o primeiro acontecimento histórico/científico com essa abrangência. Notável para uma empreitada particular patrocinada pela RedBull. O retorno para eles será fantástico e que assim seja em outras experiências para o bem da humanidade.
O estudo do traje que estou usando será a base para outros mais seguros e confortáveis nas missões espaciais e pilotos de alta performance. Jon Clark, o diretor médico da equipe, perdeu a esposa no acidente com o ônibus espacial Columbia em 2003 e sei do valor que ele dá para nossa missão. Minha responsabilidade aumenta quando recebo uma mensagem de um garoto de 13 anos sofrendo de câncer, que diz que a minha luta motiva ele a lutar a sua própria batalha. Não posso falhar.
Estou a 63.000 pés, quase 20 quilômetros do chão. Estou na zona chamada Linha de Armstrong. Sem pressurização, meu sangue ferveria dentro do corpo. A pressão fora da cabine é 30 vezes menor que em terra. Logo chegarei à altitude do meu último salto de treinamento, 21 quilômetros, em março passado, o que faz de 2012 um ano para entrar na história da aeronáutica.
Sinto falta de ouvir meu conterrâneo – o compositor Wolfgang Amadeus Mozart. Ajudaria a passar o tempo, ouvir os sons da sua genialidade. Não posso esconder o orgulho em ser Austríaco, também de Salzburgo como ele. Meu paraquedas vermelho e branco é a bandeira da nossa pátria. Minha cabeça lembra dos acordes da sinfonia número 39 perfeitamente combinados, no exato momento em que passo do ponto onde Kittinger saltou há 52 anos atrás. Seria uma coincidência interessante conseguir alcançar 39 km de altitude hoje.
Joe me informa que acabei de quebrar o recorde de altura de voo em um balão tripulado. A ironia é que Victor Prather, um dos recordistas que voou a mais de 34 quilômetros de altitude em 1961, morreu afogado logo após a cápsula haver pousado no mar. Não corro este perigo, pois estou em Roswell – Novo México – EUA, bem longe da água.
Penso em outros pioneiros importantes. Há exatamente 62 anos atrás, o Coronel Chuck Yeager quebrou a barreira do som a bordo de uma aeronave especial para este fim. Exorcizou o temível demônio que morava no Mach 1 (velocidade do som). Se eu conseguir passar dos 1180 km/h, serei o primeiro a ultrapassar a velocidade do som em queda livre e sem ajuda de propulsores a não ser a própria gravidade.
Começa o check list de preparo para o salto, ao qual respondo acionando e desacoplando os equipamentos que me mantem ligados à cabine. Gradativamente diminui a pressão enquanto meu traje é pressurizado. A porta se abre e a vista da curvatura da terra me faz sentir um ser insignificante. A sinfonia 39 de Amadeus torna a passar pela minha alma e a coincidência me inspira.
Saio da cabine como treinei centenas de vezes, só que desta vez estou a 39 mil metros de altitude. A descida será rápida e provavelmente quebrarei mais alguns recordes. Decidi que vou comandar meu paraquedas mais cedo que poderia. Quero que o Joe mantenha o recorde de maior tempo em queda livre. Seu tempo de 4 minutos e 36 segundos significa muito para ele.
Cuidadosamente saio da cápsula e me apoio sobre o degrau de salto. Mesmo maravilhado com a vista espetacular a minha volta, devo dar o passo mais esperado da missão. Transmito pela última vez:
– “Eu sei que o mundo inteiro está me olhando e eu gostaria que todos pudessem ver o que eu vejo… Às vezes é preciso ir muito alto para entender o quanto somos pequenos.”
– Bom… Hora de voltar para minha linda casa azul.
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Em 14 de outubro de 2012, Felix Baumgartner bateu o recorde saltando de uma altitude de 39.045 metros ultrapassando a velocidade do som durante a queda livre, exatamente 62 anos depois da barreira ser quebrada pela primeira vez por uma aeronave.
Felix bateu três recordes oficiais:
1) Maior velocidade atingida em queda livre: 1.342,8 km/h, rompendo a barreira do som.
2) Maior altitude atingida por um voo de balão tripulado: 39.045 m.
3) Maior distância em queda livre: 36.529 metros.
Mais de 8 milhões de pessoas acompanharam ao vivo apenas pelo Youtube, tornando-se um novo paradigma do marketing.
Franco G. Rovedo
franco.rovedo@gmail.com