Em um belo e ensolarado domingo, decolei com o Cessna 150 para um voo de lazer. Um pequeno avião monomotor de dois lugares, asa alta e excepcional para instrução e treinamento.
O passeio estava maravilhoso e o motor Continental roncava suave e regularmente. Os comandos estavam em perfeito funcionamento e uma pane era altamente improvável. Mesmo assim, não deixava de olhar a paisagem abaixo e escolher uma pista alternativa em caso de pouso forçado. Aliás, esta mania de ter um plano de contingência já havia me salvado a vida algumas vezes.
A 2.000 pés iniciei uma série de manobras que dizemos que são apenas para treinamento, mas que na verdade são desnecessárias e só as executamos por pura diversão.
Ao completar a recuperação de um parafuso, o primeiro susto… Brupt. Em seguida outro… Brrrupt. Chequei todos os instrumentos e me posicionei melhor no assento. Reagi instintivamente conforme os anos de prática. A adrenalina aumentou no sangue e o suor começou a escorrer frio pela pele arrepiada.
Escolhi um terreno plano logo à frente para o pouso de emergência. Ajustei a potência do motor, chequei os magnetos, flaps em 40 graus, nariz embaixo e 65 nós de velocidade. Bruuupt… Bruuupt… O suor ardia em meus olhos… Bruupt. Já na reta final baixa, destravei a porta e pouco antes de tocar o solo, desliguei a chave de ignição e o master switch.
Lembro de haver tocado o campo com a cauda um pouco baixa como é o recomendado em pousos curtos como este. Em seguida, a escuridão tomou conta da minha visão e perdi os sentidos.
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A palavra “pane” é um substantivo feminino que tem sua origem no francês ‘panne’, e serve para designar uma parada anormal no funcionamento de um mecanismo qualquer. A tradução literal é “colapso”.
Como aeronautas, devemos estar sempre atentos para qualquer pane que nosso equipamento possa sofrer. O cuidado quase paranoico que temos com isso, é que faz da aviação um dos meios de transporte mais seguros que existe. Só perde em segurança, por distância percorrida,… para o elevador.
Mas muitas vezes esquecemos que o equipamento mais importante que temos é nosso próprio corpo, e evitar pane nele deveria ser prioridade em nossos check lists. Somos o médico de plantão na máquina que está voando, mas o médico deve estar muito bem saudável para cumprir sua função, ou morre o paciente e o doutor.
Devemos estar preparados para reconhecer os sinais e sintomas para podermos consultar um especialista antes que a pane total ocorra.
Mas afinal, qual a diferença entre sinal e sintoma?
Sinal é toda aquela manifestação que pode ser percebida sem que o paciente precise reportar.
Se a aeronave está expelindo fumaça por onde não deveria, é “sinal” que algo no motor está em pane. Se há algum vazamento intermitente, é sinal que o motor pode apagar a qualquer momento.
Já sintoma é a queixa relatada pelo paciente, mas que só ele consegue perceber. Eles são subjetivos, portanto dependem da interpretação do próprio paciente.
A minha pane teve relação com reconhecer sinais e sintomas, afinal, no período de um ano, eu já havia sofrido dois desmaios após forte dor na boca do estômago. Com a mesma rapidez que as dores apareciam, desapareciam. Em outras ocasiões, as dores apareciam, mas não permanecia tempo suficiente para acontecer o desmaio.
Comparando meu corpo com uma aeronave, comecei a prestar atenção nos sinais que antecediam as crises. Imaginei que, como em uma aeronave, se algo indesejado se repete, é bom prestar atenção para saber qual sistema que o pessoal da manutenção deve verificar.
A alimentação não era fator comum, pois a crise não dependia do que eu havia comido antes. A temperatura não era um fator relevante e nem o que eu estava fazendo no momento. Estava intrigado. Procurava constantemente pontos em comum entre um caso e outro.
Depois de pensar muito, lembrei que eu começava a arrotar sem motivo nenhum e em seguida suava muito, com a sensação que a pele estava gelada. Pensando bem, estes dois sinais estiveram sempre presentes antes das dores. O importante é que independente da causa da pane, o sintoma da dor muito forte me fazia desmaiar.
Em alguns minutos, apenas descrevendo os sintomas e os sinais que tinha durante a crise, minha médica identificou rapidamente uma inflamação na vesícula biliar.
– Pô cara… Você podia ter morrido. Colecistite aguda não é brincadeira. Por que não veio antes de se acidentar com o avião? – Perguntou ela, aflita com minha negligência.
– Err… Doutora… burrice é sintoma ou sinal?
Franco G. Rovedo
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