Um bom pouso começa muito antes

Tive um instrutor que costumava repetir que um bom pouso é feito muito antes de ver a pista. Eu então me concentrava sempre em realizar todos os procedimentos de forma perfeita, e ainda que estivesse muito nervoso, procurava me esforçar. Um bom tempo depois fui perceber que, embora ele quisesse dizer outra coisa, o que ele dizia tinha um sentido muito mais amplo. Um bom pouso está relacionado com as percepções visuais e o estado emocional do piloto, tal como está relacionado com a configuração da aeronave.

Durante o pouso, a percepção visual ainda é o fator mais importante. Existem dezenas de equipamentos que operam por 24 horas, todos voltados a substituir a imagem que o piloto teria da pista em condições de clima favoráveis. Porém, sem uma boa percepção visual (ou mesmo sem um bom equipamento que a substitua), um piloto não consegue julgar fatores simples como a localização de obstáculos, a rampa ideal da pista, ou mesmo avaliar a eventual necessidade de uma arremetida. Mas qual fator psicológico conseguiria ser forte o suficiente para alterar a percepção visual do piloto, ou mesmo seu senso de julgamento?

Certamente, todos nós já ouvimos falar da disfunção do labirinto e de suas alterações no equilíbrio. Pesquisas mostram que o stress, o cigarro, o álcool e hábitos irregulares de sono afetam o labirinto na mesma proporção que as próprias disfunções do ouvido. Somando-se ao fato do voo já não ser natural ao nosso labirinto, se estivermos sob stress, alterações de humor ou outras influências, vamos nos expor muito mais ao risco de sofrer uma repentina perda de percepção durante qualquer fase do voo, e eventualmente durante o pouso, onde esta é muito mais necessária. Algumas pessoas, após passar por momentos de stress, chegam a sentir um mal estar muito forte, inclusive com enjoos. Imagine o que poderia acontecer se uma pessoa nessas condições estivesse conduzindo uma aeronave em pleno voo.

Para alguns olhares, o estado psicológico a bordo pode não afetar muito o voo, mas como citei no primeiro artigo dessa série, ele nos influencia numa proporção que mal podemos imaginar, e seus efeitos podem passar despercebidos nas mais criteriosas avaliações. Percebendo isso, é possível enxergar a vastidão de variáveis que há no fator humano, e em especial no seu psicológico, que influenciam direta e indiretamente ao voo.

Seguindo esse raciocínio, durante a semana pudemos perceber que alterações no equilíbrio psicológico podem causar indisposição a tarefas simples, prejuízo à comunicação, e por último, até mesmo uma eventual perda de percepção espacial. Que nós possamos ver, daqui em diante, que a responsabilidade do piloto não começa na apresentação ao voo, nem termina no abandono da aeronave. O piloto é responsável por manter-se física e psicologicamente apto ao voo, e isso requer constantes cuidados com seus hábitos, seu estado emocional, seu estilo de vida. Fica portanto o conselho: não leve sua casa para o seu cockpit.

Eduardo Mateus Nobrega
Redes
Latest posts by Eduardo Mateus Nobrega (see all)