Missão: Aviação e o Trânsito
Sei que por conta desta semana que passou, muita gente vai falar mal de pilotos, da ANAC, dos aviões. Enfim… Eu vou comentar algo diferente. Se você não utiliza o trânsito terrestre e também não entende nada de aviação, então nem perca seu tempo lendo o resto. Já se você dirige nas ruas e/ou está sujeito a um acidente de automóvel, recomendo que leia isto e peça informações sobre segurança com um piloto de aeronave.
A bruxa anda solta e toda vez que há um acidente aeronáutico, a mídia faz um alvoroço. Divulga o nome do piloto, da companhia aérea, o modelo da aeronave, a posição dos corpos e tantos outros detalhes sórdidos e inúteis. Desde um ultraleve até uma espaçonave, a cobertura é feita a exaustão. Um mês de circo, no mínimo.
Sabemos que a aviação tem problemas, pilotos têm defeitos, o sistema não é nem remotamente perfeito, mas ainda é uma forma muito segura de transporte.
Nós que somos parte do sistema aéreo, sabemos da nossa responsabilidade em divulgar informações sobre acidentes. Repassamos e discutimos cada um deles. Cada vida perdida é uma lição dolorosa que a maioria de nós tenta assimilar.
O que me irrita é saber a quantidade de acidentes e mortes no trânsito de rua que são simplesmente ignoradas ou colocadas como se fosse uma notícia comum e sem importância. (Salvo se alguém envolvido no acidente seja pessoa famosa.)
Todo ano, morrem no Brasil, mais de 35.000 pessoas em acidentes de trânsito. Este número é apenas das pessoas que morrem no local do acidente. Muitas mais morrem no hospital ou algum tempo depois. Mais do que o triplo ficam incapacitadas temporariamente ou permanentemente. Metade dos leitos hospitalares está ocupada por vítimas do trânsito e\ou seus pilotos malucos. Um massacre que se repete ano após ano.
Só como primeira comparação, a Guerra do Vietnã matou cerca de 60.000 americanos em dez anos. Apenas 6.000 por ano de guerra. Uma ninharia perto da nossa estatística. Isto mostra que nossos guerreiros de automóveis são muito mais eficientes que os militares vietnamitas. Bastavam alguns motoristas bêbados infiltrados nas tropas dos Estados Unidos, e o Vietnã teria uma vantagem maior ainda.
Ironia a parte, é evidente que a irresponsabilidade e a impunidade são armas imbatíveis. Muito se fala de educação no trânsito, penas mais duras e outras medidas burocráticas. A verdade é que estas têm causado pouco impacto na diminuição do número de cadáveres espalhados pelo asfalto. Leis brandas e mal feitas, acompanhadas de falta de uma política séria de combate a estes assassinatos consentidos, banalizaram a morte no trânsito.
É aqui que eu me orgulho da aviação e do sistema de gerenciamento que nosso país utiliza. Mesmo que não perfeito, temos um dos índices de maior segurança por milha voada do mundo. Temos lugar garantido no conselho da Organização de Aviação Civil Internacional e, mesmo com as tragédias mais recentes, ainda temos prestígio da comunidade aeronáutica mundial, principalmente por não sermos moralmente coniventes nas mortes por acidentes aéreos. O rigor ao seguir as orientações e estudos sobre segurança de voo faz a grande diferença.
Mesmo com todos os problemas que a transição no comando e gerenciamento da aviação brasileira está passando, seguir as leis internacionais de segurança tem salvado centenas de vidas diariamente.
Todos devem se lembrar do acidente do voo 402 em São Paulo. Uma tragédia sem dúvida. Morreram 99 pessoas. As imagens foram chocantes e dificilmente esqueceremos aquela manhã de 31 de outubro de 1996.
Independente das causas que contribuíram com a queda do Fokker 100, certamente dentre elas, não havia um piloto alcoolizado, tão pouco profissionais despreparados na aeronave e muito menos irresponsabilidade do comandante. Muito diferente do que sabemos encontrar em qualquer esquina da nossa cidade. Na maioria, jovens, sem a educação e preparação necessária para dirigir uma máquina potencialmente fatal, somado ao uso de substâncias proibidas. A estatística, ironicamente, indica que no Brasil, para cada 1,32 milhão de passageiros de avião, um poderá morrer em acidente aéreo, enquanto mais de 265 poderão morrer no trajeto do aeroporto.
Pergunto:
E se o exame de capacidade física dos DETRANS fosse tão rigoroso quanto os da aviação?
E se os acidentes de trânsito fossem tão divulgados quanto os acidentes aeronáuticos?
E se o rigor para permissão para dirigir fosse o mesmo que para pilotar uma aeronave?
E se as autoescolas fossem tão fiscalizadas como as escolas de aviação?
Será que as mortes diminuiriam?
Sempre que possível, demonstrarei e defenderei como o uso das normas de segurança e administração da aviação civil aplicada ao trânsito pode reduzir o número de acidentes.
Isto não significa que devemos olhar para o outro lado e fingir desconhecer os problemas que a aviação enfrenta diariamente. Apenas acredito que desde a formação de pilotos até as normas e métodos de prevenção de acidentes do meio aeronáutico será um bom exemplo para as autoridades e para o cidadão consciente de que algo precisa mudar no trânsito.
Portanto, prezado leitor, sempre que olhar no jornal um acidente com uma aeronave, antes de ficar horrorizado, lembre-se que o trânsito do qual você faz parte, está “derrubando” um Fokker 100 TODO dia.
Fly (and drive) safe!
Franco Rovedo
franco.rovedo@gmail.com
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