Dez equívocos que você pode (e deve!) esclarecer

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Há não muito tempo atrás, uma amiga bastante querida me fez o seguinte comentário: “Quando eu for rica, vou comprar um avião e é você quem vai DIRIGIR”. Fiquei lisonjeado com aquela demonstração de carinho, não há dúvida. Afinal, todos nós gostamos de ser lembrados por nossas paixões ou vocações. Não há como negar, no entanto, que algo me alfinetou naquela afirmação: pilotos não “dirigem” aeronaves. Na verdade, nós as “pilotamos”.

Havia tanta consideração nas palavras dela, que eu não tive coragem de corrigi-la. Eu poderia explicar a diferença entre “dirigir” e “pilotar”, mas naquela ocasião, não viria ao caso. Entretanto, muitos de nós costumamos ouvir perguntas e afirmações leigas, que apenas servem para disseminar mitos, desinformações e temores infundados a respeito da viagem aérea. Pensando nisso, nós do Canal Piloto selecionamos dez dos principais equívocos acerca da aviação, que você como piloto(a) não apenas pode, mas deve esclarecer aos seus familiares e amigos mais próximos:

1. “As aeromoças nada mais são do que garçonetes a bordo da aeronave”

Nenhuma outra afirmação poderia ser mais ofensiva a um(a) profissional que passa até por treinamentos de sobrevivência na selva para garantir sua segurança, mesmo nos casos mais extremos. Comissários e comissárias (esse é o termo mais correto para designá-los) são profissionais altamente treinados, com habilidades que você raramente verá em um voo cotidiano. Sua formação inclui conhecimentos em primeiros socorros, sobrevivência na selva e no mar, segurança em voo, combate ao fogo e até mesmo conhecimentos básicos sobre aeronaves. Um(a) comissário(a) é capaz de conter um passageiro que ofereça riscos ao voo, combater corretamente um princípio de incêndio, efetuar um parto de emergência, e até mesmo pousar a aeronave numa situação mais extrema. Se tudo o que você viu dos serviços deles foi o sorriso ao servirem seu cafezinho, tenha certeza de que é porque todo o resto foi feito com maestria e discrição suficientes para que você não os notasse.

2. “Ah, que legal, você é copiloto. Quando vai ser promovido a piloto?”

Essa é outra afirmação que você deve evitar se não pretende ofender um tripulante, ou virar piada no despacho operacional. Para exercerem suas profissões em uma linha aérea, tanto o copiloto quanto o comandante devem possuir a licença de Piloto Comercial, além de habilitações em voo por instrumentos, treinamento para aeronaves multimotoras e habilitação específica do tipo de aeronave que operam. A única diferença entre ambos é que o comandante, geralmente o mais experiente entre os dois, é o responsável legal pela aeronave em nome de seu proprietário – no caso, a companhia aérea. No mais, ambos revezam-se normalmente na condução da aeronave, como muitas vezes ocorre sem que os passageiros possam se dar conta. Tenha sempre em mente que “piloto” é uma graduação, e não um cargo.

3. “Por uma questão de segurança, minha família e eu viajamos em voos separados”

Responda a uma pergunta: você e sua família também costumam viajar em carros separados? Se o seu receio é de que algo aconteça a toda a sua família em um único incidente, os acidentes nas estradas deveriam ser sua principal preocupação. De acordo com o Conselho Nacional de Segurança dos EUA, as chances de morrer em um acidente de carro são de uma em 85, enquanto as chances de morrer em um acidente aéreo são de uma em 5.862. Segundo Arnold Barnett, professor de estatística do Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT), existem maiores probabilidades em tornar-se presidente ou receber um Nobel de Física do que em sofrer um acidente aéreo fatal. Por esse motivo, é possível que você precise rever a forma como protege seus entes queridos.

4. “Cinto de segurança em voo? Pra quê? Não precisa! Por acaso o avião vai bater em alguma coisa?”

Acredite: uma turbulência inesperada pode lhe render, no mínimo, um belo galo na cabeça. Pior ainda se você estiver circulando pela aeronave no momento em que ela surgir. Não por acaso, os próprios pilotos e comissários mantêm seus cintos de segurança afivelados desde o acionamento até o corte dos motores, salvo quando precisam servir os passageiros ou ir ao toalete. O alerta de afivelar os cintos, quando desligado, não quer dizer que você DEVE, mas sim que você PODE desafivelar os cintos caso haja NECESSIDADE. E mesmo em solo ele deve ser respeitado: até que a aeronave esteja calçada no portão de desembarque, existe o risco, ainda que remoto, de uma freada brusca ou mesmo de uma colisão.

5. “Vou tirar uma selfie e filmar minha janela durante a decolagem e o pouso”

Por mais que lhe pareça o contrário, os comissários e comissárias não têm nada contra você compartilhar uma foto ou um vídeo que lhe renda boas curtidas pelas redes sociais afora. Num mundo onde novas tecnologias surgem a todo instante, sem que haja tempo hábil de testar seus eventuais efeitos sobre os instrumentos de bordo, desligar seus aparelhos eletrônicos quando solicitado evita que qualquer interferência comprometa a segurança do seu voo – além de ser um ato de respeito e gentileza para com a sua tripulação de cabine. Quer ganhar um belo sorriso daquela charmosa comissária? Desligar seu celular pode ser uma boa estratégia para isso. Apenas não se esqueça de que, acima de tudo, ela está ali no mais absoluto caráter profissional.

6. “Tenho um tremendo medo do avião arremeter quando estivermos pousando”

Particularmente, eu tenho medo dos pilotos NÃO arremeterem caso seja preciso. A arremetida é um procedimento de segurança, mais simples do que se possa imaginar, e treinado desde o início da formação de um piloto. Ele é executado sempre que não há certeza quanto à segurança do pouso. Negligenciá-lo pode causar uma excursão de pista, um capotamento ou mesmo algo ainda mais sério. Não por acaso, há um ditado entre os pilotos de que “o pouso nada mais é do que uma arremetida que não deu certo”, tamanha a preparação dos pilotos e da aeronave para executá-lo caso venha a ser necessário.

7. “Mas ainda faltavam vinte minutos para a decolagem, e não me deixaram embarcar”!

Diferente dos transportes coletivos terrestres, um avião não parte assim que o último passageiro embarca. Após o fechamento das portas, iniciam-se procedimentos de configuração da aeronave, além de cálculos de peso e balanceamento que, por sua vez, são indispensáveis à segurança de voo. O controle de passageiros a bordo também precisa ser finalizado com antecedência, de forma que os órgãos controladores sejam devidamente notificados no tempo correto. Permitir o embarque de um único passageiro implicaria em obrigar a tripulação a reiniciar esses procedimentos, além de atrasar toda a malha aérea – bem como os demais passageiros a bordo, que não ficariam nada felizes em vê-lo esbaforido pelos corredores da aeronave, após atrasar o voo de todos eles.

8. “Eu achei meu voo muito barulhento, pois viajei bem ao lado da turbina”

Fica aqui a expectativa de que “turbina” seja o apelido de alguma conhecida sua, notória por roncar. Aquele dispositivo geralmente preso à asa, responsável por gerar a potência que coloca o avião em movimento, é simplesmente o “motor” da aeronave. No caso de motores a reação, também conhecidos popularmente como “jatos”, a turbina é apenas uma peça componente do motor. Ela fica atrás da câmara de combustão, e é responsável por girar os compressores e o fan do motor – aquela peça semelhante a um ventilador, logo à frente, na tomada de ar. Portanto, a menos que a aeronave esteja em manutenção com o motor exposto e você seja um mecânico, dificilmente você verá uma turbina aeronáutica.

9. “Vi no noticiário que um bimotor caiu próximo ao litoral. Felizmente não deve haver muitos feridos, afinal um bimotor é uma aeronave pequena”.

É compreensível que um jornalista não domine todas as áreas de conhecimento existentes. Porém, nesses casos, sente-se a falta de um pouco de lição de casa antes de elaborar uma notícia. “Bimotores” são aeronaves que contam com dois motores – e nessa categoria, enquadram-se desde o minúsculo Colomban Cri-cri, com seus modestos 3.9 metros de comprimento por 4.9 metros de envergadura, até o gigante Boeing 777-300ER, com 73.9 metros de comprimento e 64.8 metros de envergadura. Inclusive, ambas aeronaves foram colocadas juntas nesta tirinha que publicamos aqui no Canal Piloto. E mesmo os monomotores podem variar consideravelmente de tamanho, de forma que não há como relacionar a quantidade de motores com o tamanho da aeronave.

10. “Ah, quer saber? Muito complicada essa discussão sobre aviões. Por isso eu prefiro os helicópteros! Acho o máximo o barulho que eles fazem com suas hélices”

Quem não acharia um comentário desses o máximo seria, certamente, um piloto de helicópteros. Os leigos no universo das asas rotativas normalmente desconhecem que um helicóptero não possui “hélices”, mas sim “pás”. O termo “hélice” refere-se, normalmente, ao conjunto de pás que impulsionam uma aeronave, geralmente um avião com motor a pistão ou turbohélice. Para compor a hélice, as pás conectam-se a um spinner, a peça em torno da qual estas giram, gerando a tração da aeronave. O conjunto similar em um helicóptero – responsável não apenas pela tração, mas também pela sustentação – é referenciado de forma correta quando utilizamos o termo “pás”. Pergunte para qualquer piloto de helicópteros.

E você, qual tipo de equívoco já lhe incomodou? Compartilhe conosco nos comentários deste artigo.

Luiz Cláudio Ribeirinho
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