Ganhando os Céus – Por Enderson Rafael

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A torre acabou de autorizar: alinhar e decolar, pista uno zero. Suas mãos correm pelos botões, você desliga a luz de taxi, e acende os faróis de pouso. No caminho até a strobe light, confirma as start switches em continuous. No painel de controle do EFIS – Electronic Flight Instrument System – aciona o radar meteorológico, enquanto o comandante aciona o terrain do lado dele. A pequena luz verde acima do flight director não deixa dúvidas sobre o briefing que havia sido feito dez minutos antes: você será o pilot flying desta etapa. Seus dedos descem mais um pouco, procuram no painel por qualquer coisa que esteja fora do normal. Você sai brevemente da frequência de transmissão da torre e aciona o botão do P.A. – passenger address – ao seu lado esquerdo: “Tripulação, preparar para a decolagem”, e volta para a escuta da torre.

Seguindo sua mão na direção que já vinha, aciona o transponder, de stand by para TA/RA – ou seja, o modo completo incluindo o TCAS. O comandante alinha e para o belo Boeing de poucos meses de idade e quase duas centenas de passageiros sobre a faixa central: “Pista uno zero, heading zero nine six.” Você confirma no seu navigation display e verbaliza: “zero nine six”. Ele estica o braço esquerdo e dispara o cronômetro. Você faz o mesmo com seu braço direito. “You have controls, I have atc” ele diz. “I have controls”, você responde, enquanto pressiona o manche levemente para frente e apoia seus pés nos pedais do leme. Gentilmente, ele solta os freios do avião enquanto empurra as manetes até que os motores atinjam quarenta por cento de rotação nos compressores de baixa – também conhecidos como “N1”. Uma vez estabilizados nesta potência, ele aperta os botões de TO/GA – potência automática de decolagem e arremetida – e o autothrottle trata de levar as manetes para frente, acompanhadas de perto pelas mãos dele, responsável por interromper a decolagem se for necessário.

“Check thrust”, você diz. Com os olhos no indicador dos motores, ele confirma que o avião acelerou até a potência que você calculara que seria necessária para a decolagem, num artifício que inclui enganar o computador, com tabelas elaboradas pelo fabricante, com relação à temperatura para que ele assuma seu peso real como máximo e, com isso, economize combustível, motor e emissões de poluentes, já que o motor tem potência de sobra e você está a dez toneladas do peso máximo para aquelas condições. “Thrust set”, ele responde. Mais alguns segundos se passam. O leve vento de través atinge a imensa cauda da aeronave, e como uma vela, ela empurra o nariz na direção de onde vem o vento. Com movimentos assertivos no pedal, você traz a fuselagem de quase quarenta metros de volta para o eixo da pista. Mais alguns segundos depois, a imensa força gerada pelo ar comprimido, aquecido e expelido pelos dois motores já faz o jato correr no concreto a cento e cinquenta quilômetros por hora, e o comandante diz “Eighty knots”. Você, que dividia seus olhos entre o eixo da pista lá fora e algumas espiadelas nas indicações do motor e na velocidade, confirma que o velocímetro dele está igual ao seu, indicando que os tubos de pitot funcionam perfeitamente, e responde: “Check”. Nesse momento, você alivia a pressão sobre o manche.

A partir de agora, como combinado no briefing, vocês só abortarão a decolagem por quatro motivos: detecção pelo radar meteorológico de uma tesoura de vento, falha no motor, qualquer indicação de fogo ou algo que faça a aeronave incapaz de voar. Seus olhos continuam atentos ao eixo da pista de quatro quilômetros de extensão, enquanto o comandante, nesta etapa na função de pilot monitoring, vigia os motores e o velocímetro. Mais alguns segundos se passam, e agora cem quilômetros por hora mais veloz, o comandante diz em inglês “V1”, e tira as mãos das manetes de potência. A partir de agora, a aeronave está comprometida com o voo, e não deixará de decolar, não importa o que aconteça, pois a esta velocidade tentar parar na pista seria mais perigoso ou até impossível. Quase em seguida, ele diz “rotate”. A cento e trinta e nove nós, quase duzentos e sessenta quilômetros por hora, você começa, gentilmente, a puxar o manche para si. Bem lentamente, afinal a cauda da aeronave está tão longe do nariz que, se o movimento for brusco, ela pode tocar o chão.

Em segundos você está voando, e acabou de tirar sessenta e sete toneladas de cima das rodas do trem de pouso. Tão logo haja a indicação de que a aeronave está ganhando altitude, o comandante diz “positive climb!”, e você responde “gear up.” Com os trens de pouso sendo escondidos dentro da fuselagem aerodinâmica, a aeronave acelera rapidamente. Você inicialmente puxara para dez e quase sem parar para quinze graus de pitch up. A quatrocentos pés ele canta o modo de rolagem que o avião assumiu: “LNAV”, e você já está seguindo a crossbar magenta do flight director no seu PFD – primary flight display – que guia a aeronave através da rota programada por vocês. Aos oitocentos pés a crossbar traz o nariz um pouco para baixo e o avião volta a ganhar velocidade. Você pede “Flap 1”, e ele estica o braço e traz a alavanca de flaps 5 para flaps 1. O avião acelera ainda mais, enquanto gentilmente você o mantém na rota seguindo fielmente o flight director. “Flaps up”, e ele traz a alavanca para a posição de flaps recolhidos. Assim que as luzes de trânsito dos flaps se apagam, você pede “After take off checklist”.

Enquanto ele volta as start switches, a alavanca do trem de pouso e o autobrake para OFF antes de ler o checklist, vocês estão agora a dois mil pés e quatrocentos quilômetros por hora, e acelerando. Em cruzeiro, sua velocidade será mais que o dobro dessa. Você estica a mão até o MCP e aciona o botão do piloto automático. Olha para o flight mode annunciator no seu PFD e canta “Command B”. O comandante confirma. Até dez mil pés, você guardará as manetes e o manche, ainda que agora passe a pilotar o avião usando botões e teclas. E ainda bem que você tem o piloto automático para auxiliar: há muito trabalho pela frente, incluindo fonia, papéis a preencher e navegação a conferir. Serão três horas de voo até o destino, do outro lado do país, com uma vista incrível que você, copiloto, terá poucos intervalos para apreciar.

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