Por que ser piloto de avião?

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Corporate Pilot Using Electronic Tablet

Trabalho como instrutor de voo há 4 anos e vejo muitas pessoas que começam o curso de piloto e acabam desistindo. Outras escolhem outra profissão, e há ainda aqueles que conseguem o tão sonhado emprego em uma grande empresa aérea. No entanto, com o passar do tempo se tornam pilotos frustrados com a profissão, reclamando da escala, da solidão e de outras coisas.

No meu ponto de vista, como já escrevi em outros posts, a decisão pela profissão de piloto de avião tem que ser uma vocação. Essa é uma vida que acaba exigindo muita dedicação aos estudos, força de vontade, perseverança e cuidados com a saúde.

Obter uma carteira de PCA-MLTE/IFR e ICAO 4 não é o que requer maior dedicação aos estudos. Acredito que as etapas que precisam de maior dedicação aos estudos são a prova teórica da ANAC, do PCA e PPA, e também durante o simulador IFR. Nessa fase, treinar em simuladores em casa (Flight Simulator ou X-Plane) ajuda muito o desenvolvimento do aluno. Nas demais fases, voo mental, estudo de quick-references e planejamento das navegações são o suficiente. Sendo assim, tenho essa opinião de que esta é uma profissão onde é a formação é relativamente rápida e fácil – diferente de outras profissões como médico ou advogado, onde somente a faculdade tem duração de 5 anos. Para o médico, ainda, são necessárias a residência e a especialização.

Essa aparente facilidade em se tornar piloto de avião e o glamour de andar com o uniforme e o quepe, além de puxar a tradicional mala com rodinhas nos aeroportos, gera em muitas pessoas esse sentimento de glamour da profissão. Outros imaginam que vão conhecer muitas cidades do mundo, e que sempre estarão com aquela sensação de turista. Às vezes, o piloto que trabalha na maioria das companhias aéreas pousa em cidades do nordeste brasileiro, ou em outros países, cansado por ter voado a noite toda ou o dia todo, chegando naquele destino paradisíaco no começo da manhã, ou então por volta das 22 horas, sabendo que uma nova jornada de voo terá início dali a 12 horas. Portanto, o máximo que será possível é tomar um banho e dormir, pois quem se apresenta para um voo as 04:30 da manhã, provavelmente começou a se arrumar à 01:00, e tentou ir dormir às 19:00 do dia anterior. Depois de alguns dias dormindo pouco à noite, seguindo essa rotina, e mesmo sabendo que o dia de trabalho vai acabar ao meio dia na cidade de destino, vem aquela afirmação: “Não aguento mais essa escala!”

Uma certeza para essa profissão é a rotina: os mesmos destinos, os mesmos hotéis… Depois de alguns anos na mesma empresa, ou alguns meses na aviação executiva, você com certeza vai conhecer todas as cidades, hotéis e pontos turísticos. Nesse momento, surgem aquelas perguntas: Vou de novo para aquele lugar? Naquela cidade não tem nada para fazer, como vou passar o tempo?

Outro ponto que leva muitas pessoas a decidirem ser piloto de avião é o salário que, em alguns casos, é realmente alto. No entanto, depois de um tempo trabalhando na área, você certamente vai mudar de ideia. Para ter esse salário que hoje gira em torno de R$ 7.000,00, é necessário gastar mais de R$ 100.000,00 para tirar todas as carteiras, além de provas periódicas da ICAO. Cada prova tem, atualmente, um valor mínimo de R$ 1.000,00. Então, será que piloto de avião ganha bem? E hoje, com R$ 7.000,00, é possível ter uma vida de luxo?

O contraponto é que, ainda que tudo isso pareça um mundo de maravilhas, temos muitos pilotos insatisfeitos com a profissão, ou deprimidos com a vida solitária, longe da família e dos filhos. Tudo isso porque, no meu ponto de vista, não foi feita uma escolha com o coração. Para ser piloto de avião, é preciso ter vocação, e buscar a realização profissional. Essa é uma vida de muitas privações, mas também de muitos prazeres, como fazer um excelente pouso em uma aeronave maior, ver as cidades lá de cima, apreciar a lua, as estrelas, o pôr-do-sol e o nascer-do-sol. Tenho certeza de que esses sentimentos são o que devem predominar na escolha da profissão – não o glamour, o dinheiro, mas sim o sentimento de realização profissional.

Predominando esse sentimento, tenho certeza de que o verdadeiro aviador vai voar por amor, mesmo que seja um simples C-152, ou até mesmo gigantes como o Airbus A380 e o Boeing 787. Para aquele que realmente é feliz voando, cada voo é como se fosse o primeiro naquele avião, e o sorriso será o mesmo de quem foi recentemente promovido para aquele maravilhoso equipamento.

Rodrigo Satoshi
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