Na condição de revisor de conteúdo do Canal Piloto, tenho o privilégio de ver passar por minhas mãos, diariamente e em primeira mão, todo o conteúdo que nossa equipe se esmera em compartilhar com vocês, nossos estimados leitores. Isso me ajuda a identificar tendências, a perceber quais dúvidas costumam ser mais recorrentes, quais preocupações a maioria dos pilotos e estudantes compartilham. Nos últimos meses, notei diversos leitores preocupados se conseguiriam ser pilotos, devido ao fato de possuírem alguma característica que, possivelmente, lhes reprovaria no CMA de 1ª classe.
Ver alguém diante da possibilidade de não realizar um sonho é algo que, a menos que sejamos uma pedra de gelo, acaba por nos tocar de alguma forma. Qual piloto, afinal de contas, não traz consigo essa vocação desde muito jovem? Seria justo, então, dizer a alguém que ele não pode ser piloto, porque alguma condição o impedirá de trabalhar com isso? Para avaliar essa questão, se me permitem, gostaria de compartilhar brevemente uma experiência pessoal minha.
Como nossos leitores mais assíduos e frequentes podem já ter notado, além de estudante de PP também sou músico, ainda que esta não seja minha principal atividade remunerada. Assim como acontece com toda vocação, sonho com isso desde muito pequeno, incentivado pelo fato de haver tido um tio e um avô que eram maestros. Pelos mesmos motivos que afastam muitos da aviação, minha formação profissional seguiu outros caminhos, e o sonho de ser músico, infelizmente, teve que prosseguir sem maior prioridade.
Uma coisa que aprendi sobre a vida, no entanto, é que você pode abandonar seus sonhos, mas seus sonhos jamais o abandonarão. E cedo ou tarde, eles voltarão para cobrar o devido lugar em sua vida. Foi assim que a música jamais me abandonou, e acabei por me tornar um músico. Mesmo não pagando minhas contas com ela, alguns amigos profissionais da música costumam me dar a honra de dividir um palco com eles. E ainda que seja para cantar entre amigos, ou acompanhar os alunos de um amigo professor em alguma audição, sinto-me realizado por poder ser um músico, mesmo não trabalhando formalmente como um.
Podemos relacionar tudo isso com a aviação se eu dividir com vocês um precioso conselho, que recebi de um estimado Comandante de uma de nossas maiores companhias aéreas: “Uma coisa é pilotar porque você gosta, outra coisa é trabalhar com isso”. Se o que você quer acima de tudo é SER piloto, não desista de seu sonho, mesmo se, eventualmente, trabalhar como piloto se torne muito difícil ou mesmo impossível para você. Ninguém é menos piloto do que os outros só porque essa função não está em sua carteira de trabalho. E até mesmo os melhores profissionais, tanto na aviação como fora dela, são aqueles que exercem sua função como se não precisassem do dinheiro – e o fariam até mesmo de graça, se possível fosse.
Como um piloto comercial anônimo disse certa vez, “Você não ganha tanta folga quanto seus vizinhos pensam, você não ganha tanto dinheiro quanto seus parentes pensam e você não tem tantas namoradas quanto sua esposa pensa. Mas eu ainda não acredito que eles me pagam para fazer isso.” E acreditem: alguns dos melhores e mais devotados pilotos que conheço sequer estão no mercado de trabalho.
Claro que todos têm contas a pagar, e nada mais justo do que procurar fazê-lo através de sua principal vocação. Mas enquanto a aviação profissional não for uma opção para você, qual será sua escolha? Abandonar seus sonhos, ou permanecer nos céus da forma que lhe for possível? Para você, ser piloto é trabalhar como piloto, ou ter o tão sonhado direito de voar?
Abraços e boa semana!
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