O dia 17 de Julho ficará marcado para sempre como uma das datas mais negras para a história da aviação. Nessa mesma data, em 2007, presenciamos o maior desastre aéreo da história do Brasil, protagonizado pelo voo JJ3054 da TAM, em Congonhas. No ano de 2000, o voo 7412 da Alliance Air caiu a dois quilômetros da cidade de Patna, na Índia, quando ia de Calcutá a Nova Delhi. O incidente custou a vida de 51 pessoas a bordo, além de quatro pessoas em solo. E em 1996, na mesma data, o voo 800 da TWA explodiu alguns minutos após decolar do aeroporto JFK, em Nova Iorque, matando todas as 230 pessoas a bordo.
Com um assombroso saldo de 484 vidas perdidas, não precisávamos de mais um acidente para tornar ainda mais negra a memória sobre essa data. Infelizmente, quis o destino que as coincidências não parassem por aí. E em 17 de julho deste ano, vimos o voo MH17 da Malaysia Airlines, operado pelo Boeing 777 prefixo 9M-MRD, ser abatido próximo à fronteira entre a Rússia e a Ucrânia, região atualmente assolada por conflitos militares.
O que mais nos toca neste momento é o pouco tempo que separa este incidente do anterior, sofrido pela mesma companhia, com um mesmo modelo de aeronave. Aqui no Canal Piloto, expressamos o nosso pesar pela perda do voo MH370 através deste artigo. E na condição de seu autor, espanta-me como as palavras do primeiro artigo continuam frescas em minha memória, enquanto escrevo uma segunda nota de pesar. Afinal, o que acontece com nosso mundo? A quais riscos a aviação mundial está sujeita atualmente? E seria possível haver alguma relação entre os dois incidentes?
Confesso a vocês que, no auge de minha consternação, busquei por qualquer indício que pudesse relacionar um incidente ao outro. Seria possível este segundo ajudar a explicar o primeiro? Poderia a Malásia estar sendo alvo de uma retaliação, por apoiar financeiramente um dos lados de um conflito? O que encontrei em minhas pesquisas não foi muito animador: a Malásia, com um PIB estimado em 303,5 bilhões de dólares, é a 35ª maior economia do mundo, bem atrás da Rússia (9º lugar) e à frente da Ucrânia (52º lugar). Possuindo relações diplomáticas com ambos os países, sua companhia de bandeira, a Malaysia Airlines, apresenta prejuízos expressivos em seus balanços anuais desde 2010. Só em 2013, seu prejuízo foi da ordem de 356 milhões de dólares. Conclusão: ainda que a Malásia apoiasse insurgências ou os governos contra os quais essas lutam, atacar sua companhia de bandeira não causaria impactos expressivos aos recursos de seu país.
Ainda que seja algo que uma mente menos cética custa em acreditar, tudo aponta para uma estranha e dolorosa coincidência. Recentemente, a FAA emitiu NOTAMs dirigidos aos pilotos americanos, recomendando-lhes evitar a região de conflito, em torno de onde ocorreu a queda do voo MH17. Apesar de ser uma área próxima, os NOTAMs não contemplavam o local exato da queda. Muitos voos procuraram rotas alternativas sobre a região, a fim de evitar orientações divergentes entre controladores russos e ucranianos, conforme alertavam os próprios NOTAMs da FAA. No entanto, como o mesmo alerta não foi replicado nos NOTAMs da ICAO, inúmeros voos europeus e asiáticos mantiveram suas rotas sobre a região. Até que, fatalmente, um desses voos foi atingido. E para nosso espanto, justamente outra aeronave da já abalada Malaysia Airlines.
Novamente, não nos cabe, ainda, apontar culpados para a tragédia. Enquanto a primeira permanece sem explicação, Moscou e Kiev continuam acusando-se mutuamente sobre a autoria deste atentado, visto que, conforme ambos, os separatistas criméios não teriam condições de operar os mísseis BUK, apontados como a arma utilizada no ataque, por terem a capacidade de atingir uma aeronave em torno do FL330. Ao menos desta vez, no entanto, temos uma explicação para o incidente, ainda que esta não amenize a dor pela perda de 298 vidas humanas – dentre elas, crianças e um dos maiores pesquisadores mundiais da cura da AIDS, acompanhado de sua equipe. Não é difícil imaginar o quão imensurável é essa perda para a humanidade. Sem contar algumas famílias que – pasmem – perderam entes queridos nos dois incidentes envolvendo a Malaysia Airlines.
É certo que nenhuma guerra é justificável, visto que atestam o quanto nós, seres humanos, temos falhado como seres diplomáticos. Mas a pergunta que fica é: quanto mais vamos desvalorizar a vida humana? Até quando a aviação – cuja missão é encurtar distâncias, aproximar pessoas, proporcionar momentos inesquecíveis e realizar sonhos – continuará sendo tolhida de sua pacífica missão? E até quando nós, pilotos e estudantes de aviação, continuaremos nos enlutando pela perda de colegas e amigos, pessoas que, assim como nós, nasceram com a vocação dos pássaros? Como alguns amigos pilotos e tripulantes postaram redes sociais afora, “quando um de nós cai, uma parte de nós também cai”. E em dias como estes, é inevitável sentir um imenso vazio dentro de nós. Um vazio da dimensão de dois Boeings 777.
Abraços e boa semana!
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